terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Escrever, aprender e viver: relembrando a herança da Imprensa Negra.

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças.

Este é o último artigo do ano. Não há como não pensar em retrospectiva nessa época. Tem sido um exercício extremamente valioso e enriquecedor escrever, semanalmente, sobre diversos assuntos da temática etnicorracial. Trazer algumas reflexões, pontuar a necessidade de ampliarmos sempre nosso olhar, desconstruirmos preconceitos, esses são objetivos preciosos nesse trabalho de escrever, ou como disse uma amiga, escreviver, narrando momentos em que aprender e viver se conectam. 

Não me vejo como escritora, já falei isso para vocês, e acho muito engraçado quando alguém me intitula assim. Me vejo como alguém em busca de compartilhar experiências, alguém preocupada se está sendo compreendida, em fazer da escrita um ato de aprendizagem, de vida. 

Busco inspiração nas experiências que vivi, naquilo que já aprendi ou desejo aprender. Vasculho as minhas lembranças para trazer legitimidade para a minha escrita, para passar sentimento. E, esse ano, os sentimentos foram diversos. Do começo ao fim do ano, porque tento me aproximar também do que ocorre no cotidiano fazendo sempre que possível uma ponte com o passado, com a história. 

Fico pensando a cada novo artigo que publico sobre a Imprensa Negra no Estado de São Paulo originada por volta de 1915, segundo cronologia traçada por Roger Bastide, no entanto, há outros pesquisadores que admitem a existência de jornais antes desse período. Fico pensando o quanto eu tenho dentro de mim dessa imprensa, o quanto eu herdei de alguma forma da força dela. A maioria dos jornais da Imprensa Negra nasceu como uma forma de protesto à situação do negro no pós-abolição e como forma de comunicar o que os demais jornais não se preocupavam em noticiar. Muitos surgiram das associações e sociedades recreativas negras como forma de noticiar seus eventos, suas atividades, como forma também de educar a população negra para que pudesse reverter os estereótipos e existir na sociedade do século XX. Eram preceitos daquela época. 

A produção de muitos jornais da chamada Imprensa Negra era bancada por seus redatores, em tipografias artesanais. Normalmente, no primeiro número do jornal vinha uma nota explicativa sobre o seu nome, que muitas vezes trazia um significado de conscientização. A periodicidade destes jornais, em alguns casos, era semanal; em outros, quinzenal ou ainda mensal.

O jornal O Clarim da Alvorada, fundado por Jayme de Aguiar e José Correia Leite em 1924, com tiragem entre 1000 a 2000 exemplares, um ícone da Imprensa Negra, mantinha uma coluna intitulada Mundo Negro onde trazia informações sobre a comunidade negra internacional e um intercâmbio com jornais negros dos EUA como o Chicago Defender. Segundo o historiador Amilcar Araújo Pereira, a partir de 1928 o “Clarim” passa a ter uma atuação mais destacada na luta contra a discriminação, publicando diversas matérias sobre o tema. 

A Imprensa Negra foi responsável pelas primeiras denúncias ao preconceito racial existente em várias cidades do Brasil propondo medidas concretas de se combatê-lo. Tem uma importância muito grande na história do movimento negro e deve ser conhecida e divulgada.

Ciente dessa história, só posso sentir-me honrada em poder escrever sobre a temática etnicorracial neste jornal, isso não quer dizer que os objetivos da imprensa negra foram totalmente alcançados ou que uma Imprensa Negra não seja mais necessária, mas significa que farei desse um espaço de visibilidade da história e cultura afrobrasileira, um espaço de diálogo de temas complexos, mas que precisam e podem ser discutidos com toda a sociedade. 2016 promete mais artigos e mais escrevivência.