terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Projeto Baquaqua: divulgando a biografia de um escravizado no Brasil.

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças.

É interessante e maravilhoso quando projetos acadêmicos, frutos de pesquisa de mestrado e doutorado atingem o público mais amplo, conseguindo ultrapassar os muros das universidades. É muito rico e motivador quando conseguimos contribuir a partir de estudo de temas e objetos de pesquisa específicos para a visibilidade de certos assuntos que são de interesse da sociedade como um todo, ou mais ainda, quando conseguimos fazer com que os temas por nós trabalhados se transformem em pauta de discussão, reflexão e, muitas vezes, revisão da história ou ao menos da maneira como ela é recontada, por exemplo, nas escolas. 

Por isso, fiquei bastante contente em conhecer o trabalho de Bruno Véras, historiador, pernambucano como meus pais, atualmente doutorando na Universidade de York, em Toronto, no Canadá sob a orientação de Paul Lovejoy, um nome importante para os estudos sobre a história da África. Após ter lido uma reportagem sobre a tradução da biografia de Mahommah Gardo Baquaqua, provavelmente, a única biografia conhecida escrita por um escravizado do Brasil, fiquei animada em saber mais sobre o Baquaqua. Sua biografia foi originalmente publicada em 1854, em Detroit, Michigan (EUA) em inglês. 

Lembro-me quando estava na Universidade de Pittsburgh, nas aulas com os estimados professores Marcus Rediker e Patrick Manning de termos refletido sobre outra biografia, a de Olaudah Equiano. Tentei vasculhar a memória das aulas e discussões daquela época, lembro-me de ter ouvido o nome Baquaqua, principalmente, porque discutimos alguns textos de Paul Lovejoy que tem trabalhado com biografias de escravizados, inclusive a dele. 

Mahommah Gardo Baquaqua, um homem nascido por volta de 1830, no atual Benin, foi trazido para o Brasil em 1845 e vendido para um padeiro em Olinda, Pernambuco, devemos nos atentar que o comércio transatlântico de escravos já era ilegal no Brasil desde 1831. Foi vendido para um capitão de navio do Rio de Janeiro, viajou pela costa brasileira. O capitão o levou para Nova York, Estados Unidos, mas lá a escravidão já estava abolida, viveu em Boston, no Haiti, Canadá e Inglaterra até 1857 não havendo mais registros sobre ele após esse período. Seus relatos são importantes, pois retratam a vida de alguém que foi escravizado, narrado por ele próprio, relatam sua trajetória. Baquaqua narra a vontade de retornar à sua terra natal, mas não há informações se ele conseguiu.

Como pesquisadora fiquei interessada em saber mais, conhecer mais bibliografias sobre o tema e, principalmente, conhecer o processo de pesquisa do Bruno, seus caminhos, sobre como podemos utilizar o material que ele tem pesquisado em sala de aula, o que me parece ser um dos objetivos de seu trabalho, pensando na implementação das leis 10.639 e 11.645 e da disponibilização de mais materiais para discutirmos o protagonismo de homens e mulheres negras escravizados. Por essas razões, contatei o Bruno via redes sociais e fiquei muito feliz por termos a partir daí trocado mensagens, por termos de alguma forma nos aproximado. Está aí um papel que muito me atrai nas redes sociais, de aproximar pessoas, de nos fazer conhecer histórias, experiências, de nos colocar em contato.

A partir do Projeto Baquaqua, http://www.baquaqua.com.br/, tive curiosidade em saber mais sobre a história de vida desse homem. Assim, tenho vasculhado o que há na página coordenada por Bruno Véras fruto de sua pesquisa em andamento “Memória e História de uma trajetória diaspórica: M.G.Baquaqua, escravidão e abolicionismo no Brasil e na América do Norte”, com patrocínio e/ou apoio do Ministério da Cultura do Brasil, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade de York no Canadá. Nela encontramos vídeos, fontes históricas, material para baixar, projeção de lançamento de um livro infantil com atividades sobre a vida do Baquaqua, páginas para colorir para ser trabalhado com crianças, links para outros sites de pesquisas sobre o tema. É com certeza, uma página rica e que precisa ser conhecida.

Há uma série de informações que podemos aprender lendo a biografia de Baquaqua e com certeza voltaremos a ele em outro momento. Segundo Bruno Véras, “o resgate da história e trajetória atlântica deste personagem é de suma importância para a historiografia brasileira, no sentido de fomentar novas pesquisas, além de ser uma importante ferramenta em sala de aula no intuito de desconstruir estereótipos negativos em relação aos africanos dentro da história do Brasil”.