Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças.
O carnaval não poderia deixar de ser um tema para meu artigo
dessa semana. Há muito para se falar sobre ele, mas acredito que há mais para
se viver e apreciar no carnaval, mais do que as polêmicas que o tema possa
trazer, gostaria de refletir sobre um sentido que sempre me vem à mente quando
penso em carnaval: vivenciar algo coletivo, fazer parte de um momento especial
para aqueles que estão envolvidos, principalmente, quando pensamos na vivência
nas escolas de samba.
Eu não sou
muito de pular o carnaval, até tentei levar meu filho, esse ano, para vermos o
desfile das escolas de samba aqui de Araraquara, mas ele dormiu quando
chegávamos perto do local do desfile, tivemos que retornar para casa, mas antes
pude ver um pouquinho da concentração, da preparação daqueles que iriam
desfilar, sou deslumbrada por essa energia. Gosto de sentir a vibração das
pessoas, a doação e entrega por uma escola, além da energia que se cria e que
muitos obtém nesta festa, acredito ser este um ingrediente importante para o
enfrentamento do restante do ano, afinal é comum dizermos que o país só começa
depois do carnaval, não é isso?
Lembro-me
de assistir aos desfiles em Araraquara quando ainda ocorriam nas ruas do
centro, eu era ainda bem menina, depois na Expressa, adorava. São minhas mais
remotas memórias da vivência do carnaval. Lembro das serpentinas e confetes que
jogávamos quando as escolas passavam e de sairmos correndo e dançando pelo meio
da rua, no intervalo entre uma apresentação e outra. Eu nunca desfilei, mas já
torci muito e ainda continuo torcendo por uma escola aqui de nossa cidade e
quando a vejo desfilar, me emociono, porque sei o quanto lutaram para
harmonizar todos os componentes da escola, do samba enredo, bateria, carros
alegóricos, aos integrantes exultantes e ansiosos pelo grande momento, faltou
dizer também harmonizar a contínua falta de recursos ainda mais nos momentos de
crise como os vividos atualmente.
A
apresentação na avenida é tão curta, o ápice de uma preparação do ano todo. A
escola precisa manter a coesão do grupo, precisa fazer vibrar os componentes,
muitas são também responsáveis pela manutenção de laços de solidariedade e
fraternidade, muitas são mais do que uma agremiação para um desfile, são pontos
de referência para toda uma comunidade. São possibilidade de se romper a ordem
cotidiana, de invisibilização e subalternização. Propõem um enredo novo em que
autoestima e identidade têm um importante papel.
Carnaval é
uma festa popular. Acontece em diversas partes do mundo. Eu não consigo ter a
dimensão exata de tudo o que ele movimenta no Brasil, mas são muitos dias,
muita música, muita comida, bebida, viagens. De festinha em casa, marchinhas e
bailes nos salões aos grandiosos espetáculos nas cidades do Rio de Janeiro e
São Paulo, passando pelos blocos e o movimento que faz as ruas de muitas
cidades como Salvador e Recife, por exemplo, virarem um mar de gente, não é
possível saber onde começa e onde termina a festa ou a animação dos foliões. Eu
tenho visto pelas mídias que há blocos de vários estilos musicais hoje em dia,
artistas que não são especificamente do carnaval, mas que pegam carona nesse
momento. Porém, há aqueles tradicionais como os blocos afro, os afoxés do
Carnaval da Bahia, vinculados a uma vivência afrobrasileira como Ilê Aiyê,
Filhos de Gandhi e Olodum. Eles trazem em sua história luta e resistência, e
também trabalho e atuação social durante todo o ano.
Muitas
cidades pequenas dobram, triplicam sua população na época do carnaval,
transbordam e alagam as ruas de entusiasmo, música e dança. É evidente que nem
todos gostam da festa e das transformações que, muitas vezes, ela ocasiona,
boas e ruins, principalmente, no saldo após o carnaval. Porém, não podemos
negar que o carnaval altera a rotina do dia a dia, ele é esperado, vivenciado,
odiado e amado. Há aqueles e aquelas que
preferem se afastar das comemorações carnavalescas strito sensu, vão
para retiros espirituais, vão para festas onde é proibido tocar músicas de
carnaval. Tudo é válido nesse momento. O importante é não desconsiderar que há
muito trabalho para a existência do carnaval, ele movimenta a economia e as
pessoas.
De uma
maneira ou outra o carnaval é um ritual, pode ser vivenciado, modificado, pode
ser olhado como dramatização da vida, de ideologias, como possibilidade de
subversão ou manutenção da ordem.