Valquíria Tenório é professora
universitária, socióloga e pesquisadora de cultura e história na temática
etnicorracial.
“Não posso
falar com autoridade sobre Brasil, mas às vezes não é preciso ser especialista
para perceber que alguma coisa está errada em um país cuja maioria é negra e a
representação é majoritariamente branca.” Essa foi a percepção de Angela Davis,
filósofa, professora, ativista negra, nascida no estado do Alabama nos Estados
Unidos, integrante do grupo Pantera Negra quando esteve no Brasil em sua
participação no Festival Latinidades 2014: Griôs da Diáspora Negra.
Se
a maioria da população brasileira é negra (preta e parda) segundo o censo
realizado pelo IBGE em 2010 e a levantamento da Pesquisa Nacional de Amostras
de Domicílio (PNAD) de 2013 por que a representatividade negra nas esferas políticas não
retrata essa realidade? Por que a Câmara dos Deputados, formada por 513
representantes eleitos pela população tem 410 candidatos brancos eleitos e
apenas 103 candidatos negros? Qual o número de vereadores negros e
negras nas câmaras municipais de nosso país? E nas prefeituras? E no Senado? É
evidente que podemos fazer essas mesmas perguntas
para outros grupos sociais que estão sub-representados, mas de qualquer forma
as perguntas continuam válidas.
Novamente,
estamos pensando e falando sobre representatividade. De maioria populacional e
maioria daqueles que votam a população negra se transforma em minoria no pleito
e minoria no que tange a representatividade na política, na mídia, na economia,
na história. Davis tem razão não é necessário ser especialista para perceber
que há alguma coisa errada.
A
exclusão da população negra da vida política pode ser pensada desde o período
pós-abolição em que a visão sobre essa população ainda decorria do período
anterior, acrescida da necessidade de manter a ordem vigente, o não acesso à
vida política de uma população recém liberta considerada inferior e incapaz de
eleger ou ser eleita. O mundo da política era um mundo branco e da elite
oligárquica. Não era pensado para a população negra. O Brasil saia do período
escravista com uma população, majoritariamente, negra
que, mesmo com todas as transformações de mais de um século pós abolição, foi
mantida excluída da vida política e econômica brasileira.
O
cenário político atual permanece com a mesma representação do passado, ou seja,
pouca participação negra. Uma pergunta pode surgir, mas se a população negra é
atualmente maioria, por que não elegemos parlamentares negros e negras em maior
quantidade? Será que o racismo tem um papel nessa discrepância? Desde muito
tempo essa população tem sido excluída da vida política não havendo uma
tradição de termos candidatos negros. E tem sido excluída porque, em um
primeiro momento, somente alfabetizados votavam ou eram elegíveis, o que
impedia a participação daqueles que acabavam de sair da escravização. Os negros
não fazem parte dos grupos historicamente presentes no cenário político. É
necessário construir essa tradição! Existem candidatos negros, mas ainda em
pequena quantidade. Em 2014, os candidatos tiveram que informar sua cor à
Justiça Eleitoral e os dados revelam número pequeno de candidatos em se
comparando com a representatividade populacional, revelam ainda que os
candidatos declarados brancos têm renda maior, mais condições, portanto de
bancar suas candidaturas. Muitos já têm tradição no mundo da política
conseguindo atrair mais investidores para suas campanhas. Como acontece em outras áreas e com outras “minorias” se
faz necessário um política pública que permita, estimule e torne possível uma
transformação rápida da realidade. Não é possível que os negros tenha que
esperar mais alguns séculos para quem sabe, conseguir chegar a ter a
representatividade política nos mesmos índice dos números populacionais que
ocupa.
Lutar
pela representatividade e pela qualidade dessa representação nas esferas
políticas são exigências permanentes. Não há democracia em um sistema político
que não permite a representatividade de um grupo social que é a maioria da
população brasileira.