Valquíria Tenório é professora
universitária, socióloga e pesquisadora de cultura e história na temática
etnicorracial.
Fevereiro
se foi e deixou um gosto de mês muito intenso, de desafios e perdas. Com certeza,
será bastante lembrado e mencionado nos meses que se seguirão e por muito tempo
ainda. Na última semana perdi meu sogro, José Alves de Oliveira Filho, e com
ele se vão lembranças e momentos. 80 anos de vida, retidão, dedicação à
família, moderação, discrição e paciência. Mas, a morte nos faz lembrar muito
da vida, nos faz recordar momentos vividos, nos faz encarar a finitude de
frente e repensar nossos passos.
Para nós é
uma possibilidade e uma necessidade de recomeço, de reorganizar a nossa vida.
Pausar um pouco e fazer um balanço, repensar os caminhos seguidos, traçar
novos, rever a direção se for o caso.
É momento
também de dor, mesmo quando a perda é uma forma conformada de descanso, de fim
do sofrimento de alguém estimado, mesmo assim, a perda não deixa de ser menos
dolorosa.
Meu
filhinho de quatro anos ao saber da perda do avô paterno começou a chorar, um
choro doído, ingênuo, profundo. Seguiram-se perguntas do tipo: nunca mais verei
meu vovô e agora a vovó ficará sozinha? Uma preocupação madura para alguém tão
pequeno. Porém, as crianças têm um poder de se regenerar tão rapidamente que no
outro dia ele já dizia que ia contar uma piada, aquela que o avô gostava, pois onde
quer que ele estivesse iria se alegrar. E, assim também nós vamos nos regenerando
e o tempo vai fazendo seu trabalho, amenizando nossa dor.
Quando
alguém nos deixa aos 80 anos, após período no hospital, com poucas chances de
se recuperar e voltar a ser como antes da internação, é ainda assim doloroso. No
fundo os queremos para sempre conosco, independente da idade que alcançarem. É
doloroso também, porque os velhos são os guardiões das memórias da família, com
eles vão também histórias, momentos, pessoas, fatos de nossas vidas antes de
nos lembrarmos, quando ainda éramos nós crianças pequenas, tempo em que nossa
memória não nos ajuda recordar. São os mais velhos, os nossos velhos, que nos
ajudam a criar imagens e conhecimento de quais teriam sido nossas primeiras
palavras, nossos primeiros passos e tantas primeiras experiências e
aprendizados que só eles podem saber.
Mas, a vida
tem um ciclo, um tempo e um fim que desconhecemos, que não conseguimos precisar
com certeza. Por isso, viver é tão importante e agir para uma vida melhor é
sabedoria adquirida com o tempo, observação, perdas, ganhos, erros, acertos.
Quanto mais vida, mais tempo vivido, apreendido, aprendido. E viver não é
fácil, longe disso. Viver é muito difícil! Viver com consciência de ser e estar
no mundo é ainda mais, chega doer algumas vezes, encerra contrariedade, uma vez
que também pode ser bom. Afinal, há tanto para se conhecer, experimentar,
saudar, sentir que só vivendo para saber e com o tempo vamos pegando o jeito.
No entanto, chega um dia em que deixamos de ser e estar nesse plano, nesse
mundo, ao menos aos olhos daqueles que amamos e que nos amam. Tornamos-nos
lembranças e, muitos têm a sorte de serem revividos, constantemente, ora pela
saudade que deixaram, ora pela força e ensinamento a nós transmitidos.