terça-feira, 9 de junho de 2015

Araraquara e a Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil

*Texto originariamente publicado no Jornal Tribuna Impressa de Araraquara 

Valquíria Tenório é professora universitária, 
socióloga e pesquisadora de cultura e 
história na temática etnicorracial, 
escreve neste espaço às terças.

Gostaria de compartilhar com vocês algo que deve ser de conhecimento e orgulho de todos que moram em Araraquara, que se interessam pela história do nosso país e na ampliação de nossos olhares. 

Dia 28 de abril de 2015 aconteceu uma reunião pública para debater a instauração da Comissão Local da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil aos moldes da Comissão Nacional criada pelo Conselho Federal da OAB em novembro de 2014. 

Por iniciativa da OAB 5ª Subseção a reunião aconteceu na UNIARA com a presença de representantes de diversas entidades. Além de representantes da OAB, estavam presentes membros do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UNIARA, da UNESP, do Centro Afro de Araraquara, da UFSCar, bem como da Câmara Municipal, Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de São Paulo, lideranças do movimento negro local e regional. Foi uma noite histórica! 

Poucas cidades no país tiveram até agora pessoas dedicadas, com capacidade e sensibilidade para criar comissões com este fim. Araraquara sai à frente, tornando-se a primeira cidade do Estado de São Paulo e uma das poucas no país a constituir uma comissão própria para se investigar a verdade sobre a escravidão na cidade e, também subsidiar as investigações da comissão nacional. 
O objetivo é trazer à tona os fatos alusivos à escravidão. Muitas pessoas vão se perguntar: mas a história brasileira já não tratou desse assunto? Para que remexer isso agora?

Porque ainda há muito que se descobrir sobre a história dessa população mesmo no período escravista. É comum dizer que todos os documentos sobre a escravidão foram queimados após determinação do ministro da Fazenda Rui Barbosa. Realmente, essa determinação existiu a partir do decreto de 14 de dezembro de 1890. Grandes fogueiras foram acesas no Rio de Janeiro em 1891 e na Bahia em 1893 para queimar os documentos que eram recebidos. 

No entanto, muitos documentos podem ter sobrevivido a esse decreto, escondidos e/ou esquecidos em cartórios, fazendas, igrejas, casas de antigos proprietários de escravizados. Além de encontrar e reunir esses documentos escritos também existe a possibilidade de trazer à luz relatos de escravizados presentes nas memórias de seus descendentes que devem ser material de análise da comissão. 

Como nunca há consenso é certo que muitos podem torcer o nariz para esse trabalho, podem até mesmo dizer que a escravidão é algo do passado, que lá deveriam ficar seus registros. Mas, esse tipo de pensamento ignora que a história pode estar incompleta, com equívocos, representar preconceitos de uma época e isso afeta o nosso dia a dia. 

A implantação dessa comissão também abre a oportunidade de recuperarmos dados preciosos sobre homens e mulheres escravizados, dados que permitem devolver sua humanidade, nome, procedência, ocupações, habilidades, família, línguas e tantas outras informações que possam ser encontradas e acessadas por aqueles que buscam conhecer  suas origens. 

Será importante para Araraquara recontar sua história!

As reuniões gerais estão ocorrendo mensalmente na UNIARA no período da noite e são abertas ao público interessado em participar dos trabalhos, pesquisadores, professores, historiadores, sociólogos, antropólogos, geógrafos, cientistas políticos, economistas, lideranças do movimento negro e todos aqueles que quiserem atuar para uma ampliação do nosso olhar e de nossa história.