terça-feira, 16 de junho de 2015

O Silêncio de Depois e o Teatro Experimental do Negro

*Texto originariamente publicado no Jornal Tribuna Impressa de Araraquara 

Valquíria Tenório é professora universitária, 
socióloga e pesquisadora de cultura e 
história na temática etnicorracial, 
escreve neste espaço às terças.

Sempre fui uma entusiasmada com o teatro, apaixonada mesmo pela linguagem, estética, personagens, palco, pela voz dos atores, cortinas, histórias, por esse outro mundo e por essa arte.   
   
Escrevo essa semana bastante sensibilizada pela peça “Movimento número 1: O Silêncio de Depois...” encenada pelo Coletivo Negro no último sábado dia 13 de junho no Teatro Wallace Leal em Araraquara. O grupo composto por atores da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (USP) e da Escola Livre de Teatro de Santo André nasceu em 2008, comprometido, segundo eles, com a investigação cênico-poética do imaginário construído em relação ao negro brasileiro. 

Os atores são brilhantes, inteiros, fortes e nos conduzem pela história das dores e alegrias de seus personagens e nos fazem mergulhar naquela profundeza de histórias abreviadas. Ao mesmo tempo em que narram experiências dos quatro personagens obrigados a abandonar o lugar onde moravam, nos oferecem condições para refletirmos sobre a condição do negro no Brasil, sobre ser arrancado de seu lugar, sobre não saber para onde ir ou não ter mais para onde voltar. A narrativa é atual e não é ao mesmo tempo. Fala de hoje, mas também de um passado. 

O Coletivo Negro me transportou para outro espaço e tempo, para a década de 1940, para o Teatro Experimental do Negro (TEN) o qual eles saúdam no início do espetáculo. Fundado por Abdias do Nascimento, Aguinaldo Camargo, Teodorico dos Santos, José Herbel e Tibério em outubro de 1944, no Rio de Janeiro, o TEN encenou sua primeira peça em 1945 e por ele passaram Ruth de Souza, Léa Garcia e Haroldo Costa, hoje reconhecidos e premiados por trabalhos no teatro e também na tevê. 

Um dos objetivos do TEN era a valorização dos atores e atrizes negras no teatro, uma vez que esse espaço não contava com a presença deles. Muitas peças traziam atores brancos pintados de preto ou traziam atores negros em papéis estereotipados e marginalizados. Havia a necessidade de criar uma nova dramaturgia. O TEN apostava no uso do teatro como instrumento de luta e redefinição da imagem e identidade do negro brasileiro. 

Para além do teatro o TEN empreendeu diversas estratégias como a publicação de um jornal intitulado Quilombo entre 1948 a 1950; a realização de cursos de alfabetização, seminários, palestras, conferências e congressos nacionais de muita expressão, nos quais havia um diálogo com diversos intelectuais como Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Edison Carneiro. A atuação do TEN se estende até 1968 quando Abdias do Nascimento é exilado.

Há muito por dizer sobre esse movimento, sobre suas aspirações, contradições e limitações. Mas, aqui volto aos atores do Coletivo Negro e à peça por eles encenada em Araraquara e vejo que o objetivo do TEN de valorização do ator negro se concretiza neles, na medida em que trazem personagens humanizados, com seus próprios dramas, inquietações e desejos. 
No entanto, ainda é necessária uma representatividade maior desses artistas no teatro brasileiro e para além dele.

Volto pra casa com um saquinho com terra, recebido no início da peça, tal terra deveria ter sido depositada em um momento de participação do público. Mas, essa terra que trouxe pra casa foi a que meu filho recebeu e não quis depositar. Tinha pra ela outro destino. Quando chegamos em casa, ele a depositou em seu pezinho de amora e em suas plantinhas. No seu pequeno jardim a terra do espetáculo ganhou outro significado: trouxe a energia da noite, das pessoas e seus desejos de mudança e de esperança não apenas em um futuro, mas sim em um presente melhor para todos.