terça-feira, 21 de julho de 2015

A importância de mais pesquisas científicas sobre a invisibilidade da população negra no Brasil

*Texto originariamente publicado no Jornal Tribuna Impressa de Araraquara 

Valquíria Tenório é professora universitária, 
socióloga e pesquisadora de cultura e 
história na temática etnicorracial, 
escreve neste espaço às terças.

A nossa região respirou e exalou ciência nos últimos dias com a realização da 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que ocorreu na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) de 12 a 18 de julho. Tal evento reuniu milhares de pessoas entre elas estudantes de graduação, pós-graduação, professores de ensino superior, pesquisadores, profissionais e estudantes do ensino básico e/ou profissionalizante, gestores de pesquisa e desenvolvimento de empresas, profissionais de órgãos governamentais de apoio à pesquisa científica e tecnológica, autoridades, artistas, crianças, e diversos profissionais que atuaram nos bastidores para que o evento fosse possível e foi, sem dúvida, um evento grandioso, bem organizado e repleto de atrações, conhecimento e cultura. 

A reunião da SBPC é um dos maiores eventos científicos do mundo, reunindo milhares de cientistas de todas as áreas do conhecimento e diferentes instituições de ensino e pesquisa de todo o país, além de conferencistas de renome internacional. Nele foi possível ouvir outras línguas, mas também português em diversos sotaques e enxergar um Brasil que produz ciência de alta qualidade e inovação.

Todas as atividades realizadas no evento estavam abertas ao público. Participei do mesmo em diversos dias, em especial, na última quinta dia 16 de julho apresentando trabalho, selecionado pela comissão avaliadora, intitulado: “A INVISIBILIZAÇÃO DA PRESENÇA DO NEGRO NA HISTÓRIA NO INTERIOR PAULISTA: UM RESGATE A PARTIR DO BAILE DO CARMO”. 

Acostumada a participar de congressos nacionais e internacionais, eu ainda não havia aprestado minha pesquisa na SBPC. Pude testemunhar a grandeza e a importância deste congresso. Tive oportunidade de conversar com muitas pessoas que ficaram interessadas pelo tema, entre elas a Profa. Dra. Marilene Corrêa da Silva Freitas, ex-secretária de Estado da Ciência e Tecnologia do Amazonas, ex-reitora da Universidade Estadual do Amazonas e atual professora da Universidade Federal no mesmo estado. A professora fez diversas perguntas sobre a pesquisa, mencionou a necessidade de trabalhos como esse no Amazonas e que eu deveria me aventurar pelas bandas de lá, pois haveria muita pesquisa para ser realizada, principalmente nessa temática.

Conversei também com o Prof. Dr. Carlos Roberto Jamil Cury, renomado estudioso da educação, ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) uma importante instituição de fomento à pesquisa do país, professor emérito (maior honraria existente hoje no meio acadêmico) da Universidade Federal de Minas Gerais e atual professor da PUC Minas Gerais. O professor Carlos iniciou a conversa mencionando a relevância, atualidade do trabalho que eu estava apresentado, bem como, da abordagem utilizada.

Ele me disse ainda que havia morado em Araraquara, mas nunca soubera do Baile do Carmo. Disse que a pesquisa ali apresentada era reveladora e fez questão de mencionar a socióloga e psicanalista Virgínia Leone Bicudo, primeira mulher negra a defender dissertação de mestrado em Sociologia na Universidade de São Paulo sobre relações raciais em São Paulo em 1945, antes mesmo de estudiosos renomados como Florestan Fernandes escreverem sobre o tema. 

Eu lhe disse que a população negra, sua história, suas conquistas não fazem parte da história escrita oficial de Araraquara, e esse fato não é algo específico da cidade, ou seja, essa ausência de dados e informações ocorre no registro da história de outras localidades do interior paulista e mesmo do país. Interessante destacar que mesmo essa invisibilização da presença do negro pode passar despercebida, ou seja, muitas pessoas nem notam que não há registros sobre a atuação dos negros, não é algo que causa estranheza, inquietação. 

Depois de alguns dias do evento, pesquiso sobre Virgínia e vejo o quanto essa invisibilização se coloca para mim como algo visível, perceptível. Como uma mulher com seu trabalho pioneiro é ainda hoje pouco conhecida e citada? Esta aí uma das artimanhas do racismo brasileiro: causar invisibilização, ou seja, o fato de ser invisível é quase comum, natural, não questionado. Estão aí as capas de revistas que não trazem personalidades negras, as propagandas que não são feitas pensando nesse público, as lojas de brinquedo onde não encontramos bonecas negras e por aí vai. 
O não registro da história dessa população ou o seu registro repleto de estereótipos também são uma forma discriminatória e típica do racismo à brasileira. Por isso, costumo dizer que precisamos sempre estar sensíveis para conhecer e questionar.