terça-feira, 14 de julho de 2015

Repensando nossa história em Araraquara

*Texto originariamente publicado no Jornal Tribuna Impressa de Araraquara 

Valquíria Tenório é professora universitária, 
socióloga e pesquisadora de cultura e 
história na temática etnicorracial, 
escreve neste espaço às terças.

Devo compartilhar com vocês as emoções vividas neste fim de semana. Primeiro por ter participado do Seminário da Comissão da Verdade da Escravidão realizado no auditório do Centro Universitário de Araraquara (UNIARA) no sábado dia 11 de julho no período da manhã, com a posse da Comissão que tratará e pesquisará o tema em Araraquara, na ocasião estiveram presentes diversas autoridades entre elas o presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, criada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados, Dr. Humberto Adami, palestrante durante o evento. Depois, por ter participado do programa de rádio “Do Quintal ao Municipal” do prestigiado Marcelo Longo Vidal, mais conhecido como Teroca e por ter com ele revivido um pouco de minha pesquisa sobre a história do negro em Araraquara. E, por último, por ter participado da noite de gala do Baile do Carmo desse ano, não mais como pesquisadora, mas como convidada. 

Foi um fim de semana intenso a começar desde a manhã no reencontro com amigos engajados no trabalho da Comissão da Verdade da Escravidão. Pudemos reforçar nossa energia e nossa motivação para as atividades futuras. Dezenas de pessoas estão dispostas a atuar na reescrita de nossa história e muitas outras podem ainda se juntar a esse trabalho. E só o fato de aglutinar tantos interessados e trazer tantas discussões já deve ser muito celebrado. Há muito conhecimento produzido em centenas de pesquisas de graduação e pós-graduação sobre a escravização e outros temas relativos à história do negro no Brasil que não chegam ao grande público, essas pesquisas ficam, muitas vezes, restritas aos acervos das bibliotecas universitárias. E, essa constatação ficou evidente na fala do Dr. Humberto Adami. 

Ficou evidente também na conversa que tive com o Teroca em seu programa de rádio. E, tenho cada vez mais certeza que só rompemos com o preconceito quando estamos abertos a aprender e quando temos acesso ao conhecimento. Vocês concordam? Digo isso, porque Teroca me convidou para falar sobre meu livro, “Baile do Carmo: memória, sociabilidade e identidade étnico-racial em Araraquara” e mencionou o fato de desconhecer muitas informações presentes nele. Lembrei-me da crônica que o escritor araraquarense Ignácio de Loyola Brandão publicou a respeito de meu livro em outubro de 2014 em sua coluna aos domingos na Tribuna. Em seu texto Ignácio mencionou que o mesmo aclarou momentos de sua vida e relações. E essas impressões de pessoas que vivenciam e refletem sobre a história de Araraquara são de extrema importância para reforçar o argumento de que podemos sempre aprender algo novo, ou olhar de outra perspectiva. 

O papo na rádio durou mais de hora, estendeu-se por diversos blocos do programa e em muita conversa nos intervalos. Foram muitos os temas que tratamos, justamente porque o livro vai falar da história do negro em Araraquara a partir de um evento presente na memória dessa população, capaz de suscitar diversas análises e muitos assuntos. Conseguimos abordar alguns deles, como segregação na vivência dos espaços de lazer, visão estereotipada da elite sobre os negros, invisibilização na história, educação, sensibilização, reconhecimento, luta e resistência. O tempo realmente voou! 

A certa altura Teroca me perguntou sobre as datas históricas se deveríamos comemorar o 13 de maio, data oficial de Abolição da Escravidão, e que desde os anos de 1980 vem sendo celebrada pelo movimento negro como um Dia Nacional de Luta contra o Racismo ou o 20 de novembro - Dia Nacional da Consciência Negra que celebra a memória de Zumbi dos Palmares, respondi a ele que podemos comemorar o 13 de maio e o 20 de novembro, pois são datas importantes, marcos. Mas, em minha opinião, ao 13 de maio, ainda tão ensinado como Dia da Abolição da Escravidão, deveria se incorporar as centenas de pesquisas acadêmicas já realizadas sobre as revoltas, a atuação e a resistência cotidiana daqueles que foram escravizados. É preciso que esse conhecimento seja de todos e possa recontar nossa história por outros ângulos. Mencionei ainda na entrevista o 14 de maio, o dia depois. Como teria sido?Em diversos aspectos ele é sentido até os nossos dias. 

Se continuarmos pensando em datas importantes devemos registrar o mês de julho em Araraquara, especificamente a data em que o Baile do Carmo acontece como importante para a história do negro na cidade e aqui encerro dizendo que foi uma emoção participar da noite de gala do Baile do Carmo este ano. Fazia tempo que não frequentava, pude rever pessoas, reviver o clima e a energia dos reencontros, pude ouvir a música e ainda subir ao palco como convidada para entregar um livro meu para a homenageada da noite, a jornalista Joyce Ribeiro. 

Saio revigorada deste fim de semana, com a prova de que a união, os encontros, o diálogo e o reconhecimento são fundamentais para repensarmos também nosso lugar na história.