terça-feira, 7 de julho de 2015

Baile do Carmo: as tramas de uma história.

*Texto originariamente publicado no Jornal Tribuna Impressa de Araraquara 

Valquíria Tenório é professora universitária, 
socióloga e pesquisadora de cultura e 
história na temática etnicorracial, 
escreve neste espaço às terças.

Durante muitos anos me habituei a pensar, falar e escrever sobre o Baile do Carmo, mas foram dezenas de textos científicos no qual pude apresentá-lo para um público que não o conhecia e não o vivia, em congressos e seminários no Brasil e no exterior. 

Lembro exatamente o momento em que o Baile entrou em minha vida e tenho certeza que foi diferente da maneira com que ele entrou na vida de muitos de seus participantes tradicionais ou não, porque eu não o vivenciei como algo intrínseco da minha família, como é para muitos jovens negros de Araraquara e fora dela. Tampouco, sabia exatamente como ele acontecia, mas sabia que era um evento longevo e importante para a comunidade negra e isso foi o suficiente para aguçar minha curiosidade e transformá-lo em meu foco de pesquisa. 

Foi assim que comecei a construir minha história com ele. Eu queria saber qual era a história da população negra de Araraquara, quais seriam suas experiências e por meio do estudo do Baile busquei entender e recontar uma parte dessa história. Sempre me perguntam, mas como ele começou, quando, por quê? Essas perguntas são importantes, mas mesmo depois de tantos anos de estudo não há como respondê-las com absoluta certeza, porque, segundo uma pessoa entrevistada, no passado não havia preocupação em se registrar, mas sim vivenciar o evento. 

E essa falta de registros me deixava ainda mais motivada a realizar o estudo. Lembro-me da primeira vez em que apresentei minhas ideias e alguns dados recolhidos sobre o Baile do Carmo para a comunidade negra da cidade em um evento promovido para receber a então ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) Matilde Ribeiro em 2004 em visita à cidade e ao próprio evento. Fiquei muito feliz ainda no começo da fala quando conseguia sentir a vibração dos presentes, ouvia os cochichos, percebia os acenos com as cabeças, sentia ter passado uma prova de fogo. Realmente, eu estava falando algo que fazia sentido para todos, mais do que isso para aqueles que viviam o evento. 

O Baile do Carmo é um momento importante de sociabilidade dos negros em Araraquara, congrega diferentes gerações em uma festa que prioriza o (re)encontro e um sentimento de identificação e de pertencimento entre seus participantes. Traz para Araraquara pessoas de diferentes cidades do Estado de São Paulo e fora dele. No passado, esteve bastante vinculado aos negros ferroviários que viviam um processo de ascensão social e buscavam se contrapor à discriminação que sofriam na cidade. Está muito presente na memória da comunidade negra da cidade e de outras localidades, permitindo um intercâmbio de lembranças que ultrapassam as barreiras de tempo e espaço.

Durante os anos de pesquisa tive a oportunidade de conhecer mais o Baile, participar de sua programação, dançar ao som das orquestras, ouvir muitas histórias, saborear muitos cafezinhos nas casas dos entrevistados, conhecer muitas pessoas generosas que compartilharam suas lembranças comigo. Essas pessoas tinham muito pra contar, sempre tiveram voz, precisavam apenas ser ouvidas. E a partir dessas falas, desses relatos de como suas vidas se ligavam ao Baile do Carmo, fui trançando uma história dele que em outras oportunidades trarei mais para vocês. 

Dezenas de relatos foram se transformando em material para uma interpretação do evento e das relações entre brancos e negros em Araraquara. E quando digo uma interpretação, expressão que uso no título de minha dissertação de mestrado a qual transformei em livro, recentemente, quero dizer com isso que é a minha visão de sua história, outras podem e devem existir. 
O Baile do Carmo há algum tempo transformou-se em uma Semana Cultural com programação diversa e, neste ano, acontecerá de 09 a 12 de julho. Se você se interessou vale a pena conferir essa tradição em Araraquara.