terça-feira, 30 de junho de 2015

Do aprender, dos encontros, do pertencimento.

*Texto originariamente publicado no Jornal Tribuna Impressa de Araraquara 

Valquíria Tenório é professora universitária, 
socióloga e pesquisadora de cultura e 
história na temática etnicorracial, 
escreve neste espaço às terças.

Na vida podemos ter momentos mágicos, de leveza, doçura e amizade. Podemos acrescentar sem sombra de dúvida muitos momentos de aprendizado. Está aí, pra mim, algo fundamental na vida e na maneira como podemos nos posicionar nela. Que tal como eternos aprendizes? Penso que a graça de viver esteja em parte em nossa capacidade de aprender. Digo aprender com os acertos, desvios, erros, tropeços, conquistas, com os mais jovens, com os mais velhos, com os vivos e com os mortos, com os que moram do nosso lado ou muito longe, com os que pensam igual e também com os que pensam diferente de nós, ou seja, com a diversidade. 

Constantemente, tenho tido provas de ser esse um bom caminho, um bom sentido para a vida. Bem, talvez, devamos incluir a capacidade de compartilhar, não apenas fotos e mensagens nas redes sociais, mas aprendizados e experiências. Se pudermos adicionar certa dose de sentimento de pertença a um grupo, ideia, lugar, a equação estaria perfeita!

Sentir parte de algo também move a nossa vida. E quando esse sentimento de pertença transcende a nossa existência, nosso tempo, nosso território, nossa língua? Foi isso que vivi reencontrando aqui no Brasil duas amigas de países diferentes, uma da França e outra dos Estados Unidos, éramos três mulheres negras em um grande encontro em que pudemos nos sentir, de alguma forma, conectadas, pertencentes a algo maior do que o nosso próprio tempo e amizade. 

Aproveitamos nosso tempo juntas para uma visita ao acervo permanente do Museu Afro Brasil situado no Parque do Ibirapuera na cidade de São Paulo e à exposição “Africa Africans” a qual se encerrará em 30 de agosto deste ano. 

Nós nos reconhecemos em parte daquelas histórias, pudemos encontrar pontos de contato e dissonância, mas nos sentimos conectadas. Essa conexão e sentimento me fizeram pensar na ideia de diáspora negra, termo e tema importante e complexo, passível de longas discussões, porém aqui me aproprio, muito parcialmente, das ideias de diáspora negra presente nos trabalhos dos sociólogos Paul Gilroy em seu livro “O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência” e Stuart Hall em “Da Diáspora: identidades e mediações culturais”. Assim, entendo o termo no sentido de algo dinâmico, de comunicação e interação; de diferença, de ressignificação, de uma origem ou mito de origem comum, de uma conexão construída pela semelhança das agruras da escravização no Novo Mundo ou por um patrimônio cultural elaborado para ser comum.

Ao apreciarmos as obras de arte no Museu Afro, por mais que ali elas estivessem fixadas conseguimos nos transportar para outros tempos e espaços. Brotou ali uma compreensão comum, primeiro por compartilharmos a expropriação que nossos antepassados sofreram, por não sabermos exatamente de onde eles vieram, quem foram; depois pelo racismo, pelas formas de discriminação que a população negra sofre pelo mundo afora, mas também pela luta, pela resistência, pela valorização dos modos de ser e de fazer. 

Ficou evidente para nós que existe um sentimento de pertença e que reconhecemos umas nas outras possibilidades de trocas, de identificação. A diferença de nossas línguas não nos impediu de sentir uma força entre nós. Ali estavam obras, documentos sobre a história do negro no Brasil e fora dele. Ali, aprenderam sobre o Brasil em intenso diálogo com o que se passa na França e nos Estados Unidos, descobrindo similaridades com a realidade brasileira, apresentando suas interpretações e inquietações sobre essas semelhanças. Vivemos em países diferentes, com culturas diferentes, mas algo ali, para além da amizade, nos fazia estar muito próximas, entendendo gestos, olhares, palavras mal pronunciadas e, fundamentalmente, entendendo o silêncio. 

Está justamente aí a riqueza e a graça de viver: aprender, ser sensível ao outro e saudar os encontros.