terça-feira, 4 de agosto de 2015

Racismo, empatia e referência

Valquíria Tenório é professora universitária, 
socióloga e pesquisadora de cultura e 
história na temática etnicorracial, 
escreve neste espaço às terças.

Colocar-se no lugar do outro, ter empatia, me parece uma habilidade em falta nos dias atuais, vocês não acham? Seria maravilhoso se vivêssemos em uma sociedade onde essa habilidade existisse em maior quantidade, em mais pessoas. Mas, eu acredito que ela possa ser aprendida, ensinada, praticada cotidianamente. Ter referência também é algo importante, quero dizer ter pessoas, lugares, atitudes como exemplo, como modelo faz muita diferença, principalmente, se a referência for positiva.

Penso muito sobre empatia e referência quando fico sabendo sobre casos como das jornalistas Joyce Ribeiro e Maria Júlia Coutinho, ambas sofreram ataques racistas pelas mídias sociais e do Professor Dr. Juarez Tadeu de Paula Xavier da UNESP de Bauru que foi alvo de pichações racistas feitas em banheiro da universidade. Esses são três casos de inúmeros que ocorrem constantemente no Brasil, são significativos porque representam também o descontentamento de alguns indivíduos, muitos até, com a ocupação de espaços por negros. Representam o racismo entranhado no país, nas nossas relações, na nossa maneira de ver o outro ou de não vê-lo. 

Para o Prof. Dr. Kabengele Munanga, renomado estudioso do tema, as pessoas introjetam o racismo, aceitam, naturalizam e mais ainda discriminam os outros, pois se veem como superiores, teriam direito a ocupar tais posições na sociedade em detrimento de outros grupos de pessoas que são vistos como inferiores. E isso também se aprende, infelizmente. Quando leio alguns comentários nas mídias sociais sobre casos de racismo e sobre matérias relacionadas à temática etnicorracial em nosso país fico estarrecida. Mesmo quando os artigos trazem informações e argumentos bem fundamentados, há muitos que comentam sem qualquer capacidade para se colocar no lugar do outro, para tentar sentir o que passa um jovem negro abordado, frequentemente, pela polícia, sem qualquer motivo; uma criança negra que sofre pedrada por professar sua fé seguindo preceitos das religiões de matriz africana, uma jovem negra que ouve piadas sobre o seu cabelo crespo e por aí vai. 

Por que não deixamos a pluralidade, a diversidade realmente existir em nossa sociedade?Se somos plurais, porque o outdoor da propaganda dos dias dos pais de diversas lojas e marcas não demonstra isso?Por que os apresentadores das emissoras de televisão não representam isso de fato? Por que as universidades não têm também mais professores que tragam essa diversidade e sirvam de referência? São muitas as perguntas. Precisamos pensar sobre elas, mas precisamos agir para haver mudanças. Como podemos ter referências sem representatividade positiva, pois negativas são muitas?

Quando mulheres se organizam para realizar uma Marcha pelo Orgulho Crespo há algo sendo dito aí. Seus cabelos são fios resistindo à opressão diária da ditadura dos cabelos lisos, da chapinha, onde não haveria espaço para diferença. E aqui não sou contra quem alisa os cabelos, mas contra as razões que levam alguém a sentir-se obrigada a fazer esse procedimento. Novamente, precisamos ter empatia e referências. São muitos os benefícios de um evento como esse: valorizar a pluralidade, positivar os cabelos crespos, deixar brilhar mulheres oprimidas pela ditadura da beleza única. Mas, mesmo trazendo essa visão muitos vão dizer que está tudo bem no país, que falta dedicação ao trabalho, ao estudo e sobra lamentação, vitimização e que é só não falarmos mais sobre racismo que estaria tudo resolvido. Isso é coisa do governo. Deixemos tudo como sempre esteve, é melhor assim!
Felizmente, são muitos aqueles agindo de diferentes maneiras para construirmos uma sociedade mais justa para todos e não digo apenas no Brasil, há atitudes importantes acontecendo em diversos lugares no mundo. Devemos olhar para além do nosso umbigo e reconhecer a existência do problema. 

A Assembleia Geral da ONU declarou a Década Internacional de Afrodescendentes entre 2015 e 2024. Segundo o Secretário-geral, Ban Ki-Moon, “devemos lembrar que os povos afrodescendentes estão entre os mais afetados pelo racismo. Muitas vezes, eles têm seus direitos básicos negados, como o acesso a serviços de saúde de qualidade e educação.” Dessa maneira, deverão ser tomadas medidas capazes de implementar programa de atividades no espírito de reconhecimento, justiça e desenvolvimento, além de reforçar a execução de acordos internacionais já assinados por diversos países para se garantir a plena participação dos afrodescendentes em todos os aspectos da sociedade. O Brasil assinou esses acordos e deve fazer sua lição de casa.