terça-feira, 25 de agosto de 2015

Revendo suas origens no passado e projetando o futuro de Araraquara

Valquíria Tenório é professora universitária, 
socióloga e pesquisadora de cultura e 
história na temática etnicorracial, 
escreve neste espaço às terças.

Meus pensamentos nos últimos dias estão nas questões que envolvem conhecer, difundir, recontar a história, ou melhor, as histórias. Devo admitir que esses pensamentos estão se tornando recorrentes. Quem tem acompanhado essa coluna talvez concorde comigo. Nessa semana tive mais motivos para reforçar tais pensamentos digamos... históricos. Primeiro, por ter participado da excelente palestra da Profa. Dra. Claudete de Sousa Nogueira do Departamento de Didática da UNESP de Araraquara, oferecida como parte das atividades da Comissão (Local) sobre a Verdade da Escravidão no Brasil, realizada no Salão Nobre do Centro Universitário de Araraquara (Uniara) no dia 20 de agosto. Também por Araraquara ter comemorado seus 198 anos no último dia 22, todo aniversário nos suscita reflexões sobre o passado, sobre o que queremos para o futuro e, principalmente, sobre o presente. Por fim meus pensamentos históricos ganharam novos contornos na reunião do Grupo de Educação Patrimonial da Fundação Araporã da qual me tornei pesquisadora colaboradora.

Araraquara vivencia seus 198 anos em meio a tantas turbulências no Brasil e no mundo. Com certeza, para mim, tem faltado a nós historicizar muitas dessas turbulências. Não é possível parar ou regredir no tempo, mas é totalmente possível aprendermos com o passado e, ainda mais, é possível termos acesso a informações que antes não tínhamos para tentarmos reconstruir uma história compreensível e mais representativa de todos os segmentos da sociedade. Digo isso, pensando especificamente na posição de vanguarda que Araraquara se colocou a instaurar sua Comissão Local da Verdade sobre a Escravidão Negra atrelada à Comissão Nacional implantada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Nossa cidade tem contribuído para a mobilização e formação de outras comissões sobre a verdade da escravidão pela região, pois foi a primeira cidade no Estado de São Paulo a criar a sua e vem com uma equipe bastante engajada e atuante suscitando a discussão e o debate.

A Comissão Local ganhou uma parceria relevante, pois a Câmara Municipal de Araraquara instaurou comissão interna para levantar documentos e informações que possam subsidiar as investigações e levantamentos que a Comissão tem realizado sobre a escravidão na cidade. Percebemos um interesse e esforço para que os dados ressurjam dos arquivos empoeirados e esquecidos em que se encontram para fazer parte da história ou das histórias que uma cidade deve contar aos seus cidadãos não apenas em seu aniversário, pois não pode haver futuro sem levarmos em consideração o que fomos, o que já fizemos, quais as nossas origens e o que elas podem dizer sobre o que podemos ser, mas além disso dizer o que não devemos repetir. E a omissão do registro dessa história não pode mais fazer parte da cidade.

A palestra da Profa. Dra. Claudete trouxe essas considerações relatando parte de sua pesquisa de mestrado tendo como enfoque a memória dos negros e sua importância para o registro da história e o recontar da escravidão na cidade de Itu-SP. Assim, a professora expôs sua experiência de historiadora, tão importante aos trabalhos da Comissão Local, destacando o que a mesma deve procurar, quais as fontes que deve buscar, tanto os livros e documentos escritos quanto as pessoas. Ficou bastante evidente a necessidade de ouvirmos, de buscarmos os indivíduos, principalmente, os mais velhos que ainda possam ter lembranças da escravidão, não por tê-la vivenciado, mas por ter herdado a memória dos antepassados escravizados. Pessoas que guardam registros imprescindíveis e que, pela ordem natural do tempo, estão nos deixando e levando consigo a história. É urgente encontrarmos essas pessoas!!!!

Tudo isso tem muito a ver com o Grupo de Educação Patrimonial da Fundação Araporã, fundada em Araraquara, pois um dos objetivos do grupo é “a promoção de uma reflexão a respeito dos patrimônios culturais locais e regionais gerando, assim, possibilidades de empoderamento dos diversos segmentos da sociedade a partir do reconhecimento de pertencimento desses patrimônios históricos culturais, arqueológicos e ambientais, sempre pautados no conceito de diversidade cultural.”.  Tem muito a ver também com uma cidade que busca reinventar seu futuro, sua configuração, seus passos daqui pra frente.

Araraquara não pode fazer isso sem ouvir o que diversos grupos, não representados no registro de sua história oficial, estão dizendo, eles querem ser empoderados, querem ser parte da cidade, de seu desenvolvimento, do presente, do futuro, mas também de suas origens no passado.