terça-feira, 15 de setembro de 2015

A ignorância não pode mais justificar o racismo.

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças

A linha que tenho seguido na elaboração de meus artigos nessa coluna traça um convite ao repensar, reaprender, ter consciência e discernimento das situações que envolvem a história e cultura negra, mas, além disso, que envolvem a desconstrução de estereótipos e preconceitos.  

É urgente repensarmos atitudes que são resultado de uma sociedade acostumada a visualizar a população negra apenas em situações de subalternidade, subordinação, nos empregos menos remunerados e de menor status, nos cursos de menor prestígio, uma sociedade acostumada a uma série de estereótipos que definiu no passado e com o passar do tempo continua forte e tenta a todo custo definir o presente de milhões de brasileiros negros, mas também de brasileiros brancos. Porque o racismo não pode ser visto apenas como um problema dos negros, mas sim como um problema de todos. Estou falando mais uma vez de racismo e tenho a ingenuidade de pensar que minhas palavras sejam um veículo para a causa antirracista, pensar que a informação é uma ferramenta importante de atuação nessa causa. 

O conhecimento pode nos livrar do racismo?Aposto e atuo nisso! Mas, por vezes, me pego pensando que não. Tenho muitas dúvidas, infelizmente. Há tantos estudos sobre essa temática, tantas discussões, tantas pesquisas em diversas áreas sobre o racismo, discriminação, preconceito no Brasil. No entanto, muitas pessoas podem dizer que esses estudos ficam nas estantes das bibliotecas universitárias, muitas pesquisas ficam nas revistas científicas e não atingem o grande público, sim é um argumento possível, mas há trabalhos concretos sendo realizados, de intervenção na realidade, por militantes, pesquisadores, professores, nas salas de aula, nas ruas, em instituições diversas, no mundo do trabalho, do lazer, tem havido desde sempre pessoas atuando para a desconstrução. 

Há hoje em dia inúmeros sites trazendo o tema no passado e no cotidiano, há uma infinidade de possibilidades de se buscar informações sobre a temática etnicorracial no Brasil e fora dele, saber de milhares de casos de racismo e discriminação pela internet. Há também músicas, romances, revistas que podem ser adquiridas em bancas de jornal; páginas e grupos que debatem o tema nas redes sociais, blogs, ou seja, há muitas formas de acessar acontecimentos e conhecimentos sobre racismo, sobre a temática etnicorracial produzidos por milhares de pessoas em diversas linguagens e meios. 

Fico me perguntando: por que mesmo em face de tanta informação a ignorância ainda prevalece como desculpa para muitas atitudes racistas? Seria uma saída estratégica? Até que ponto pessoas que têm total acesso a tudo o que mencionei acima podem usar essa desculpa?

Penso que talvez essas pessoas nunca vão acessar essas informações por livre escolha, porque a vida toda elas foram acostumadas a não ver negros em posições de destaque em grandes empresas, em cargos políticos, como profissionais liberais, nos hospitais, nos tribunais, nos laboratórios, nas universidades em grande número e representados de maneira positiva nesses espaços e também nas novelas, comerciais, revistas, na moda e por aí vai. Elas nunca aprenderam sobre o continente africano, nunca aprenderam sobre a história do negro no Brasil pra além da escravização. Durante anos elas foram aprendendo que lugar de negro é o lugar da subalternidade, do feio, do perigoso e não haveria o que aprender sobre a história, sobre a vida, não haveria o que aprender com essa população. Pior, em muitos casos elas não os enxergam, elas os ignoram. 

Essa ignorância não pode continuar servindo de desculpa para atitudes racistas camufladas em piadas, ironias, palavras soltas, olhares. É preciso agir em todos os níveis, por todo o país, é preciso fortalecer medidas de sucesso, e também encontrar novos meios para que a ignorância pare de se reproduzir.