terça-feira, 22 de setembro de 2015

Baobá: vida, grandeza e ancestralidade

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças

A primeira vez que eu vi um Baobá foi uma surpresa maravilhosa. Não faz muito tempo que isso ocorreu. Foi em Recife, capital de Pernambuco, estado de meus pais, avós, tios, de grande parte de minha família. Que momento especial!! Foi a primeira vez que estive no estado de meus antepassados. Ao passear pelas ruas de Recife, topamos com um Baobá. Que majestoso!! Que emoção!! A minha alegria foi ainda maior porque tive a oportunidade de apresentá-lo ao meu filho que na época tinha menos de 2 anos. Soube tempo depois que Recife é considerada a cidade dos Baobás ou Imbondeiros e que alguns como esse que vimos era um patrimônio local.

Faz algum tempo que desejava escrever sobre essa árvore, nada mais sugestivo do que falar dela na semana em que comemoramos o dia da árvore. Sinto orgulho de ter uma história com ela. Sim, tenho orgulho em dizer que ajudei no plantio de um Baobá e novamente meu filho esteve presente nesse lindo momento. Isso aconteceu em 2014 no encerramento de um intenso e maravilhoso curso de formação para professores sobre Cultura e História Africana e Afrobrasileira, um de meus vários projetos de contribuição para a implementação da lei 10.639/03 que instituiu o Ensino de História e Cultura Africana e Afrobrasileira em todos os níveis de ensino, esse curso como outros que coordenei recebeu patrocínio do PROAC (Programa de Ação Cultural) da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, contando com o apoio da Secretaria Municipal de Educação de Matão. Esse lindo momento só foi possível pelas mãos do querido Sabará lá de Matão que ganhou a semente e a plantou, cuidando dela até o fim do curso para que o encerramento fosse na verdade um grande início, uma maneira tão simbólica de deixar o grupo de pessoas que dele participou conectado para sempre, afinal, um Baobá vive centenas e centenas de anos, alguns dizem que ultrapassa os milhares. Pensem o que uma árvore como essa não deve ter presenciado?

Vocês podem se perguntar, mas o que essa árvore tem a ver com essa coluna? Tem tudo a ver! O Baobá é um símbolo do continente africano. Está no rol das maiores espécimes de árvores do mundo, pode atingir até 30 metros de altura e mais de 20 metros de diâmetro. Para além da grandeza de seu porte e de sua beleza, o Baobá carrega consigo uma história, também é um símbolo de persistência, de resistência do povo africano. Funciona em muitos lugares do continente como uma cisterna, sendo capaz de armazenar milhares de litros de água da chuva. Apenas um sacerdote, alguém especial pode assumir a tarefa de escavar seu tronco e prepará-la para tal missão, atuando assim para a manutenção da vida de muitas pessoas. 

O Baobá pode ter ora um tronco só ora bifurcado, mas quando se conhece um se reconhece todos os outros. Seu tronco muito grande só pode ser abraçado por muitos braços e nos dá uma ideia de união. Dizem ser muito importante abraçá-lo, buscar sua energia, dessa maneira seria possível nos conectarmos a ancestralidade, a resistência africana no Brasil.

O grande escritor moçambicano Mia Couto relata a experiência com um baobá em alguns de seus livros e, em entrevista para um programa de TV mencionou que o Baobá não é só “um ser biológico, é um cruzar de histórias, todas as árvores estão ligadas com rituais, cerimônias, com histórias é como se de fato houvesse uma raiz que penetrasse o lado humano.” E nada mais humano do que saber que foram os escravizados africanos que trouxeram essa árvore ao Brasil, um jeito de trazer os ancestrais, trazer as lembranças, os espíritos, os significados, as saudades, as histórias a vida e a morte. 

Não há como não sentir algo especial ao se deparar com um Baobá. Eu devo confessar que senti um conforto na alma, uma vibração diferente, uma alegria, mesmo havendo lágrimas em meus olhos quando vi o Baobá de Recife já crescido e frondoso e também ao atuar no plantio de uma nova árvore aqui no interior paulista. E estar com meu filho nos braços diante de um Baobá foi uma maneira ainda mais sublime de me conectar ao estado de meus pais, mas também ao continente de meus ancestrais, reproduzindo um ato que muitos realizavam e ainda realizam diante dessa majestosa árvore, quero dizer que fiz o ato de apresentar o meu fruto a ele e dele receber energia como tantas e tantas outras mulheres africanas já o fizeram e ainda devem fazê-lo. 

E em outro momento ao plantar uma nova árvore tive uma honra imensa e novamente me conectei aos meus ancestrais, e dei ao meu filho a oportunidade de ajudar nesse plantio, semeando, sempre, as bases para o conhecimento, para rompermos o preconceito, para estabelecermos uma relação eterna entre vida, ancestralidade e respeito.