terça-feira, 29 de setembro de 2015

A leitura e o papel do educador

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças

Na semana passada tive a oportunidade de falar para estudantes de Pedagogia e Biologia do Centro Universitário de Araraquara, no encerramento do Projeto de Extensão intitulado “Ler é a Solução”. Alunos de todos os anos do curso de Pedagogia e também de Biologia participam do projeto, escolhem livros para ler, fazem relatórios e divulgam suas leituras. O convite foi inesperado, principalmente, porque fui promovida à escritora e devo confessar que não me vejo como tal, me vejo mais como alguém que está sempre preocupada com o leitor, em compartilhar reflexões, pesquisas, ideias. Sinto-me mais confortável com o título de pesquisadora, mas isso é outra história.

Após conhecer um pouco do Projeto pela Profa. Dra. Dirce Charara Monteiro e da aluna do curso de Pedagogia Lucelena Bullo, fiquei imaginando como poderia contribuir. Fiquei bastante animada, o auditório estava repleto e o público bastante interessado em ouvir um pouco de minhas experiências. Relembrei que naquele mesmo auditório eu havia falado pela primeira vez em Araraquara sobre meu projeto de pesquisa a respeito da história do Baile do Carmo ainda em fase inicial. Isso ocorreu em 2004 e tive a então ministra da SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), a Profa. Dra. Matilde Ribeiro, como ouvinte. Portanto, o convite para falar naquele espaço após tantos anos foi especial. Se não bastasse isso, dessa vez estava na plateia um grande professor que tive na 5ª série do antigo ginásio, o Prof. Uiliam Moraes Folsta, guardo até hoje trabalho que realizei em sua disciplina e no qual ele escreveu “o seu trabalho dignifica o professor”.

Pude repensar um longo período de estudos e relatar algumas experiências para incentivar não apenas a vontade de ler, mas também e, principalmente, pensando em educadores, repensar o que indicamos como leitura, o que lemos para nossas crianças. O incentivo à leitura deve ocorrer desde sempre, eu me lembro de já ler para o meu filho ainda quando ele estava na barriga e desse momento até os dias atuais sua sede por ouvir histórias e remexer os livros só aumentou. Eu sinto grande prazer em levá-lo à biblioteca pública infantil e vê-lo brincar com os livros, sim porque muitas vezes ele os enxerga como brinquedos. Ele adora folhear as páginas, ver os diferentes tamanhos de livros, sentir as texturas, ver os desenhos, reconhecer algumas letras, ouvir as histórias e mais recentemente contá-las a sua maneira.  

No entanto, se o incentivo não vem da família, a escola tem papel fundamental nessa tarefa de transformar livros em artigos de desejo das crianças, de transformá-los em artigos familiares, queridos mesmo. E sempre pode haver um tipo de livro para cada criança, um gênero literário, uma linguagem que possa agradar a elas e aos adultos também, basta que sejam apresentados. Mas, a apresentação deve ser lúdica, interessante, não deveria causar traumas em qualquer idade. A leitura deve ser dramatizada, trazer suspense, alegria, prender a atenção. Sei que na atualidade é algo difícil, mas é possível. Eu já comprovei com meu pequeno em casa. Devemos liberar os personagens que existem em nós, sem temores ou vergonhas. A leitura com certeza ficará mais atrativa para eles.

Eu penso que o contato, o conhecer é algo muito importante para rompermos com preconceitos, para aprendermos, portanto o contato com a leitura, com livros, com esse mundo é importante e deve estar disponível para todos. Mas, fico sempre atenta com os livros que meu filho traz da escola para lermos em casa e me preocupo com a falta de diversidade que alguns deles apresentam. É importante o educador estar alerta ao conteúdo dos livros, algumas representações, alguns estereótipos com relação à população negra, indígena, o papel de submissão da mulher, o papel de dominação do homem, a violência e tantos outros temas podem ser constantemente repassados sem criticarmos, sem percebermos. É importante estarmos prontos para repensar, reconstruir e nos tornarmos sensíveis ao mundo a nossa volta. Comecemos pelos pequenos detalhes.

Falei no evento também do que me levou a escrever um livro, na verdade, transformar minha dissertação de mestrado em livro: a vontade de contribuir no aumento da diversidade das narrativas que podemos contar aos nossos filhos, no caso de minhas pesquisas, incluir a história da população negra na história já existente sobre a cidade de Araraquara. Meu livro não é infantil, é um registro de uma pesquisa, mas a ideia é que tenhamos a preocupação em corrigir lacunas existentes na história, que nos questionemos sempre. Que a leitura possa ser mais plural.

Ainda mencionei um projeto que coordenei em 2013 juntamente com a amiga Profa. Dra. Vera Rodrigues hoje professora da UNILAB chamado Afroliteratura Paulista realizado em Matão-SP. Tivemos patrocínio do PROAC (Programa de Ação Cultural) da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e apoio da Secretaria Municipal de Educação de Matão. Neste projeto os participantes, em sua maioria professores, tiveram aulas específicas com excelentes pesquisadoras em literatura afrobrasileira e africana durante vários meses. Além desse momento o projeto realizou um período de seis meses de Contação de histórias e biblioteca itinerante no qual uma professora-formadora, a talentosa e competente Profa. Ma. Maria Fernanda Luiz, contava histórias da temática afrobrasileira e africana em 6 escolas do município, também emprestávamos os livros para que as crianças pudessem levar para a casa e ler com os pais. A experiência foi muito exitosa. Possibilitou o contato de crianças de 4 a 7 anos com essa literatura de uma maneira estimulante, levando histórias que muitas nunca tinham ouvido e, mais, levando também autoestima para muitas crianças negras que nunca se viram como protagonistas das histórias, como tendo valorizado suas características físicas, a história de sua família e sua ancestralidade.

Por tudo isso, a leitura deve ser sempre estimulada, estimulante, capaz de mobilizar, de criar, recriar, criticar, de abrir nossos olhos e nossa mente.