terça-feira, 13 de outubro de 2015

Algumas breves considerações sobre ação afirmativa no ensino superior

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças

Essa semana, eu quero trazer uma reflexão sobre um tema bastante controverso, intenso, complexo. Esse será um texto introdutório, pretendo trazer uma serie de textos sobre esse assunto. É muito comum participar de conferências e debates sobre temática racial, sobre cultura negra e o tema ação afirmativa ou apenas as cotas nas universidades surgirem como questão independente do assunto tratado na discussão. E, na maioria das vezes, todo o assunto tratado na conferência se perde, mesmo que muito do que se tenha dito evidencie a situação brasileira e as razões para se ter ou não ações afirmativas. Já presenciei muitas discussões acaloradas. É sem dúvida um tema polêmico! 

Há muitos artigos, livros, pesquisas sobre as ações afirmativas no que se refere à educação superior. Há muitas pessoas favoráveis e contra essas políticas públicas. E, podemos entender as políticas públicas como ações empreendidas pelo Estado em diálogo com a sociedade civil, movimentos sociais com objetivo de solucionar algum problema, propor mudanças. Os dados apontam a disparidade entre o número de ingressantes negros e brancos no ensino superior, com predominância de quase 100%  de brancos em determinados cursos. 

Vou usar esse espaço para uma breve reflexão sobre esse tema em particular, sempre com a preocupação de propor que busquemos nos informar com mais exatidão, sejamos questionadores da realidade presente. Se tivermos isso em mente qualquer tema pode ser destrinchado, analisado com mais imparcialidade. 

A mídia batizou as ações afirmativas de ingresso na universidade como cotas, no entanto, cota não é sinônimo de ação afirmativa. Cota é apenas o termo que designa o percentual a ser destinado das vagas para determinados grupos em alguns casos, pois há instituições que adotaram outros tipos de programas ou modelos como bônus, acréscimo de vagas, ou ambos. Há também uma distorção no debate público no qual ação afirmativa seria equivalente a cotas raciais, isso não é verdade, pois a maior parte das ações afirmativas voltadas para a educação superior está direcionada aos estudantes das escolas públicas. 

As ações afirmativas de ingresso ao ensino superior originam-se em 2002 em universidades públicas estaduais, depois federais e também instituições privadas. A lei nº 10.558 de 13 de novembro de 2002 criava o Programa Diversidade na Universidade. “com a finalidade de implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente dos afrodescendentes e dos indígenas brasileiros.” 

Mais de dez anos depois em 29 de agosto de 2012 a lei 12.711 que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio é sancionada. Em 2013, os dados oficiais afirmavam que 40,7% dos negros de 18 a 24 estavam no ensino superior. Entre o grupo de brancos da mesma idade, 69,4% estavam cursando o nível superior, ou seja, a diferença entre ambos os grupos permanece, mas a porcentagem antes era ainda maior.

O texto da lei diz o seguinte: “As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.” Continua dizendo que é preciso que o(a) estudante tenha renda igual ou inferior de 1,5 salário mínimo per capta. 

Com relação à reserva de vagas para negros e indígenas a lei define que elas deverão ser preenchidas por “autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).” Ou seja, a proporção de ingresso da população negra se vincula aos índices de cada estado brasileiro, segundo o IBGE. Com esses dados observados e destacados em uma leitura rápida da lei 12.711 rebatemos o argumento de que as ações afirmativas levariam em consideração apenas o critério racial e não o social.

Para quem tem interesse em entender mais sobre o tema eu indico que verifiquem os trabalhos e textos produzidos pelo GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa) um grupo de pesquisa dedicado ao estudo das ações afirmativas com sede no IESP-UERJ, com página na internet e acesso fácil há dezenas de estudos sobre o tema. 

O tema é muito debatido, há muitos prós e contra. Quando leio os comentários de matérias e artigos publicados na mídia fico sempre estarrecida com o teor de alguns deles, com o sempre necessário e inexistente equilíbrio. Com as falas sem fundamento, com informações errôneas, inúmeras vezes compartilhadas sem qualquer comprovação, sem no mínimo a leitura da lei, sem de fato buscar saber como essa política tem sido implementada em dezenas e dezenas de instituições ao longo de mais de dez anos. 

Viver em um país com um alto índice de desigualdade devia ser tão ou mais polêmico do que a adoção de ações afirmativas. É preciso que reflitamos sobre essa desigualdade, sobre a maneira natural que a vivenciamos cotidianamente e sobre que tipo de desenvolvimento nós queremos para o Brasil.