terça-feira, 17 de novembro de 2015

É necessário refletir sobre consciência negra

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças

É preciso sempre mais consciência, em todos os sentidos, de todas as cores, línguas, tempos e espaços. Novembro é um mês propício para refletirmos sobre isso, mas não é o único. Exercitarmos a consciência deve ser algo constante, capaz de atuar no nosso aprimoramento enquanto humanos. As notícias e tragédias em todos os lugares só demonstram a falta dela. Mas, podem também nos fazer lembrar que ainda há muita solidariedade, empatia, sensibilidade. Há muito mais, sempre! Por isso, seguimos ou tentamos seguir lembrando-nos do passado, das histórias que se repetem, buscando aprender e quem sabe alterar o presente, o futuro.

O mês de novembro e o dia 20 em particular devem ser pensados nessa perspectiva. Não apenas a data, mas a história de como o dia 20 passou a ser comemorado como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra devem servir de reflexão. Não se trata apenas de uma ação de um ou outro governo, mas é prova da organização e articulação da população negra e de seus movimentos sociais, a discussão é ainda mais complexa, pois pode envolver a escolha de uma determinada figura em detrimento de outras. Não vou entrar nessa seara nesse momento, mas vale ressaltar que a data é celebrada desde os anos de 1970 pelo movimento negro. Existe muito descontentamento em relação à instituição do feriado, ainda parcial, ficando a cargo de cada município decidir sobre o tema. 

Em Araraquara, o dia 20 de novembro é feriado. Houve e ainda há resistência sobre isso. Tenho pensado muito sobre o estranhamento que alguns sentem em relação ao feriado, às ações afirmativas e à temática negra. E cheguei à conclusão de que é totalmente válido o estranhamento. Sim, pois tem havido nos últimos anos uma mudança, para alguns, ainda tímida e carente de maiores avanços, mas não há como negar que as mudanças existem. 

O que eu estou querendo dizer é que no Brasil a situação sempre foi a de acomodação, invisibilização e subordinação da população negra a uma posição inferior na sociedade em todos os aspectos. A população negra sempre teve um lugar determinado na história e vida do país: a escravização, os empregos menos remunerados e de menor prestígio, a menor escolarização, saúde, moradia, enfim, como um grupo, como maioria da população do país seu lugar ainda é muito desigual. 

O estranhamento tem sido maior, penso eu, nos últimos anos, porque as diversas políticas públicas implementadas no país para a inclusão da população negra têm sacudido um pouco a ordem antes estabelecida. As pessoas estavam acostumadas a visualizar uma determinada situação, quando começam, por exemplo, a ver negros em posições de destaque, para além daquelas posições clássicas, como na música, futebol, sentem o estranhamento, o desconforto e uma série de reações individuais advêm dessa sensação e o desmascaramento do racismo é evidenciado.

Quando eu penso sobre o Dia Nacional da Consciência Negra penso sobre a possibilidade de estarmos sempre abertos para refletir sobre essa situação, sobre privilégios, sobre alterar situações e conhecimentos arraigados, grudados na consciência das pessoas. Não penso que é uma consciência apenas do negro, não é isso, mas é pensar sobre tudo o que eu venho escrevendo, semanalmente, nesse espaço. Sobre aprendermos e valorizarmos outras histórias, sobre termos outros modelos, sobre superarmos o racismo. A partir dela devemos ter consciência da existência de mais cores, de mais grupos humanos, de mais gêneros, gerações, ideologias e que não é possível ter apenas uma única consciência dominando tudo sempre.