terça-feira, 24 de novembro de 2015

Relatos de um novembro negro

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças


Nada mais singelo e suave do que ver mãos dadas, mãos procurando e encontrando conforto em outras mãos, sentindo o amparo e amor. São muitas as lembranças dos últimos dias, muitos os momentos vividos e que podem ser narrados aqui, divididos com vocês, mas talvez o espaço seja curto para descrever tantas emoções desse novembro, com a propriedade que deveria. Porém, quero iniciar evidenciando a emoção estampada e observada no encontro das mãos daquele que foi o primeiro a receber um prêmio que leva o seu nome, Dr. Laphayetti Alves, advogado, negro e com uma história de vida repleta de trabalho, superação e sucesso no alto dos seus mais de 80 anos. Eram as mãos dele e de sua esposa Sra. Maria Zulica que eu não conseguia deixar de observar, por vezes, elas se encontravam durante a cerimônia de entrega de seu prêmio. Ali havia doçura, aconchego e mais que tudo confiança, força! 

O Prêmio Dr. Laphayetti Alves foi idealizado pela Dra. Rita de Cássia Corrêa Ferreira, presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB 5ª Subseção de Araraquara e será entregue desse ano em diante aos operadores de direito de destaque em nossa cidade.

O reconhecimento ao trabalho e atuação do Dr. Laphayetti Alves é algo a ser mencionado, principalmente, nesse mês de reflexão, de reverência à história e luta dos negros. Não posso deixar de mencionar o fato de a Ordem dos Advogados do Brasil ter conferido este mês o título de advogado a Luiz Gama que tentou frequentar as aulas na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, atualmente Universidade de São Paulo (USP), mas, foi impedido por ser negro.

O mesmo evento que homenageou o Dr Laphayetti, contou com uma emocionante palestra do Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca, analisando a contribuição de Palmares e Zumbi para o Brasil. Ainda neste belo evento, realizado no dia 19 de novembro, no auditório principal da Uniara e organizado pelos Neab e Curso de Direito da instituição, repleto de autoridades civis e militares, estudantes, professores e lideranças do movimento negro, houve a entrega do 11º Prêmio Zumbi dos Palmares à militar Eliana Aparecida Xavier dos Santos – Cabo PM Xavier. Esse prêmio foi instituído pelo Legislativo de Araraquara e tem o objetivo de valorizar pessoas ou entidades que atuam na superação do racismo e preconceito racial. A Cabo Xavier recebeu o prêmio por seu trabalho exemplar e atuação à frente do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), tornando-se a quarta mulher a receber o prêmio na cidade, mostrando seu protagonismo e responsabilidade como mulher e negra em um espaço como a polícia militar. Ela destaca também a presença feminina na premiação neste ano de 2015, marcante e histórico, pois mulheres de todo o Brasil se organizaram durante meses e se encontraram para a realização da Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver na cidade de Brasília no dia 18 de novembro. 

A Marcha teve a participação de mulheres de Araraquara, tendo Alessandra de Cássia Laurindo, coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, como aglutinadora do grupo que representou nossa cidade nesse grandioso evento que reuniu mais de 50 mil mulheres, demonstrando a força, o protagonismo, a luta das mulheres negras contra o racismo e a violência cotidianos, visíveis e invisíveis. 

O movimento de mulheres produziu um documento que foi entregue à presidenta listando uma série de reivindicações para a garantia de justiça, equidade, vida, liberdade e tantas outras ações que precisam emanar do Estado brasileiro para o bem viver das mulheres negras e, por conseguinte, de suas famílias. 

Eu não pude estar fisicamente nesta Marcha, mas, com certeza, meu espírito, vibração, sintonia, desejos e atitudes estavam com aquelas mulheres e estiveram dias depois na 9ª Marcha da Consciência Negra em Araraquara, no 20 de novembro que se iniciou com muita chuva, depois ela amenizou e passou, permitindo nossa concentração, caminhada e união, permitindo que encontrássemos as mãos umas das outras e sentíssemos a confiança necessária para continuarmos marchando sempre em frente, exigindo respeito, conquistando espaço, passando por cima de tudo o que possa nos oprimir, nos invisibilizar e tentar tirar nosso protagonismo e nossa força.