terça-feira, 3 de novembro de 2015

Ubuntu

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças

Na semana passada, deparei-me, muitas vezes, com a palavra título desse artigo. Ubuntu. Quero falar um pouco dela nesse início do mês de novembro. É uma palavra presente em diversas línguas africanas. Pode ser considerada uma antiga filosofia, um fundamento, uma ética, um princípio, uma maneira de viver.

Na tradução para o português pode ser entendida como “humanidade para com os outros” ou “eu sou porque nós somos”. Segundo Nelson Mandela ubuntu significa: “Respeito. Cortesia. Compartilhamento. Comunidade. Generosidade. Confiança. Desprendimento.” Com certeza, estamos todos precisando e muito de ubuntu. Os dias atuais estão caóticos e carecendo de humanidade, de sentido de existir no, por meio de e com o outro. Dizer que não há como vivermos sozinhos parece tão comum, mas é a mais pura verdade. Desde a concepção e nascimento estamos ligados a demais pessoas. São diários os casos de falta de comprometimento com essa humanidade que nos cerca, que nos fez e faz existir. Sim, “eu sou porque nós somos”. Não há como viver sem o outro. Há? Em uma entrevista Nelson Mandela explica o conceito dizendo que nos velhos tempos, um viajante parando em um vilarejo não precisaria pedir por comida e água, as pessoas simplesmente ofereceriam para ele. Esse é um dos vários aspectos do ubuntu, de compartilhar, de cuidar do outro, de respeito, compaixão. 

A vida moderna, da insegurança, dos medos, da descrença parece estar nos levando ao caminho inverso do ubuntu, onde temos a falsa ideia de que podemos viver muito bem sozinhos. Respeitar o que o outro sente, pensa, vive, saber sua história, de onde veio, dar atenção, agradecer e tantos outros sinais de respeito não podem fazer mal, talvez possa ajudar a nos mantermos unidos. O que vocês acham?

Desmond Tutu, arcebispo da Igreja Anglicana, ativista contra o apartheid na África do Sul, prêmio Nobel da Paz em 1984, afirma que ubuntu é “a essência do ser humano. Ele fala do fato de que minha humanidade está presa e está indissoluvelmente ligada à sua. Eu sou humano, porque eu pertenço. Ele fala sobre a totalidade, sobre a compaixão. Uma pessoa com ubuntu é acolhedora, hospitaleira, generosa, disposta a compartilhar.”

O princípio do ubuntu foi importante para a formulação dos objetivos nacionais, para a reconstrução e reconciliação da África do Sul, após o fim do apartheid nos anos de 1990. O bem-estar do outro, o respeito, a compaixão, a fraternidade foram importantes na criação de um país onde negros e brancos pudessem viver juntos, após tantos anos de segregação racial. 

Nos últimos dias casos de racismo estão sendo divulgados, desrespeito ao próximo, são tantos e tão constantes contra crianças, jovens, adultos, homens, mulheres. Não sei, sinceramente, o que se passa na cabeça de alguém para postar agressões, xingamentos, ofensas raciais, por exemplo, nas mídias sociais no perfil público de outra pessoa. O que passa na cabeça de alguém para propagar o racismo e tantas outras formas de intolerância? São anônimos e famosos, são e somos todos vítimas de uma brutalidade, de uma falta de humanidade. 

Carecemos e muito de ubuntu!