terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Não podemos naturalizar o genocídio da juventude negra.

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças.

A emoção de um pai ao perder um filho, as lágrimas caindo sozinhas, as palavras que custam a ser pronunciadas, a dor que maltrata a alma, a perda precoce, antinatural, selvagem. Difícil não se sensibilizar pela dor alheia, por vezes, nem tão alheia assim. Também eu senti a dor pelas mortes dos cinco jovens negros fuzilados pela polícia militar no Rio de Janeiro. Ao ver o depoimento do pai de um deles, também eu chorei de tristeza, por ele, pelos jovens, pelos amigos e por essas mortes aumentarem as estatísticas de milhares de mortes de jovens e negros no Brasil. Impossível ficar impassível diante dessa realidade. Impossível! Afinal, os casos são tantos e múltiplos.
São vidas interrompidas, talentos perdidos, famílias destruídas brutalmente. Um conhecido me perguntou em que profissões trabalham esses jovens para esse confronto mortal com a polícia? Fiquei pensativa, no caso último ocorrido em Costa Barros, no subúrbio do Rio, na noite de sábado em 28 de novembro, não houve confronto. O carro em que os cinco jovens estavam levou mais de 50 tiros, sendo que as investigações estão apurando que os polícias efetuaram mais de 111 disparos de fuzil e pistola. Os jovens não estavam armados, ressalto não houve confronto. Estavam comemorando o primeiro salário de um deles, o primeiro emprego. Estavam tentando curtir a vida como qualquer jovem da mesma idade. Mas, ser jovem e negro é um agravante. É duro ter ciência disso, é duro saber que tantos amigos e familiares já foram parados pela polícia pelo simples fato de serem negros.  
Os dados são alarmantes em todo o Brasil. Dados apresentados pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) apontam o homicídio como a principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, em sua maioria negros e residentes das periferias. Diante dessa realidade, a Câmara dos Deputados criou em março desse ano uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência contra Jovens Negros e Pobres. A CPI aprovou em julho último o relatório final com um diagnóstico da violência vivida pela população negra e uma série de recomendações e propostas para o combate dessa situação.
O presidente da CPI, diversos pesquisadores e ativistas falam em genocídio da população negra, pois de 60 mil homicídios anuais, 80% são jovens negros. O racismo tem um papel preponderante nessa situação e se espalha pela atuação das polícias e do Estado. As desigualdades estruturais entre negros e brancos precisam ser enfrentadas. É necessário mais tempo para essa mocidade, mais espaço, educação, saúde, mais lazer, oportunidades, boas oportunidades para se emancipar, para uma vida plena. Não podemos perder tantos jovens pela violência da polícia, para a falta de perspectiva, para o crime, para a omissão do Estado, para a invisibilização cotidiana, ou para a visibilidade imediata, débil, quando se procura um criminoso. 
Mesmo diante dessa situação dolorosa, dura, os parentes das vítimas dos jovens do Rio de Janeiro organizaram um protesto e muitos outros têm acontecido pelo país afora. Mais uma vez penso que precisamos mudar nossas afirmações arraigadas sobre o brasileiro, de que seríamos passivos, que não nos mobilizamos. Isso não pode ser verdade. Os casos não podem cair no esquecimento, o tema não pode ser naturalizado, mas enfrentado, apurado e combatido.