terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa

Valquíria Tenório é professora universitária,
socióloga e pesquisadora de cultura e
história na temática etnicorracial,
escreve neste espaço às terças.

No último dia 21 de janeiro celebrou-se o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Os tempos atuais são de muita intolerância. Essa data foi estabelecida em 2007 pela lei 11.635 em homenagem à Iyalorixá baiana (mãe de Santo) Gildásia dos Santos e Santos, falecida na mesma data em decorrência de um enfarto, após sua imagem ter sido usada sem sua autorização para estampar uma matéria de um jornal evangélico, na qual sua crença e sua religião eram tratadas de maneira deturpada e preconceituosa. Falar sobre religião é adentrar o campo do sobrenatural, do sagrado, mas, muitas vezes, adentrar um campo minado. É falar, infelizmente, de violência: física, simbólica, psicológica. Muitos terreiros têm sido incendiados, destruídos, seus praticantes hostilizados, machucados. É evidente que religião não é isso. Há muitas pessoas que vivenciam os ensinamentos de suas religiões aproximando-se das demais, há aquelas que conduzem suas relações em paz com a diversidade, com aqueles que comungam de outros preceitos religiosos. 

Por que se incomodar tanto com a religião do outro? Para algumas igrejas a busca por mais fiéis pode ser uma resposta possível? Desde cedo, eu aprendi a valorizar e cultuar a diversidade. Amar a paz e a fé que pode habitar as pessoas. Gosto da capacidade do ser humano de acreditar, com fervor, mas não gosto da irracionalidade com que algumas pessoas se colocam diante de suas crenças.  Gosto da ideia de igreja como comunidade, como espaço para viver a fraternidade, para o acolhimento, para o estabelecimento de laços entre esse mundo e o sobrenatural. Gosto da paz que muitos sentem e que advém de suas crenças, mas temo aquelas correntes radicais, temo a manipulação, o fundamentalismo. Temo a ideia de uma verdade única e ainda mais das coisas ruins que muitos podem realizar em nome dela tanto na religião como em outros campos.  

As religiões de matriz africana têm sofrido, segundo algumas pesquisas, pelo racismo que prevalece em nossa sociedade e pela insistência de algumas correntes neopentecostais, alguns segmentos evangélicos em deturpar os ensinamentos dessas religiões, pela falta de conhecimento, pelo preconceito consciente ou não. 

“O Deus que mora em mim saúda o Deus que há em ti”, foi um dos ensinamentos que ouvi de pai Sebastião Kizambore quando nos encontramos na Marcha da Consciência Negra em Araraquara, no dia 20 de novembro de 2015. Essa mensagem está sempre em minha mente. Parece dizer: não nos importemos com as coisas pequenas desse mundo, nós podemos conviver, eu saúdo suas crenças, suas ideias, sua fé, seu Deus. Parece dizer podemos viver bem, desde que haja respeito. Há muita beleza nisso!

No domingo passado, dia 24 de janeiro, Araraquara promoveu, durante a manhã, o 1º Cortejo das Águas de Oxalá idealizado pelo Inzo de Candomblé Da MameTô Suellen da Oxum, do Tateto Carisvaldo Barbosa dos Santos e Tateto Sebastião Kizambore, com auxílio de Zeladores das religiões de matrizes africanas, apoio e parceria do Centro de Referência Afro Mestre Jorge e da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e da Participação Popular. Eu não consegui estar no evento todo, mas assisti a lavagem da escadaria da igreja Santa Cruz. Pude sentir a água de cheiro usada para lavar os degraus, pude receber a benção e a energia que emanou dos praticantes e presentes. Ali, buscava-se lavar as impurezas, pedir purificação, lavar os preconceitos, o descaso, buscava-se recomeçar, renovar as esperanças. Oxalá é associado à criação do mundo e da espécie humana, é considerado e cultuado como o maior e mais respeitado de todos os Orixás.

É evidente que um praticante dos cultos afrobrasileiros trará uma visão mais aprofundada e vivenciada do cortejo. Inclusive, deve saber e compreender as diversas narrativas que explicam os mitos de cada Orixá. Aqui ressalto a importância de estarmos sempre abertos e dispostos a comungar também da religião do outro. Respeitando-a acima de tudo e buscando aprender sempre e mais. 

Havia uma mensagem presente no evento e estampada em uma única palavra em uma faixa: PAZ. Que Oxalá nos ouça e nos ajude a recriar esse mundo e a humanidade, com força, serenidade e bondade.