terça-feira, 29 de março de 2016

Araraquara contra a discriminação racial


Valquíria Tenório é professora universitária, socióloga e pesquisadora de cultura e história na temática etnicorracial.


            Dia 21 de março é celebrado o Dia Internacional contra a Discriminação Racial, tal data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória ao Massacre de Shaperville ocorrido na cidade de Joanesburgo, capital da África do Sul em 1960. Lembremos que esse país vivia o apartheid, um sistema político de segregação racial estabelecido por meio de leis, poder econômico e militar, tal regime separava negros e brancos, sendo oficializado em 1948, mas já presente em diversas leis estabelecidas, anteriormente. Na África do Sul desse período a minoria da população que era branca possuía todos os direitos e poderes políticos, econômicos e militares, enquanto a maioria da população que era negra vivia excluída e obrigada a obedecer ao regime separatista.
Em 21 de março de 1960, 20 mil negros protestavam contra a Lei do Passe de 1952, que obrigava os negros sul-africanos a portarem uma caderneta informando os lugares em que podiam circular, se fossem encontrados sem esse documento podiam ser presos. A manifestação era pacífica, mas no bairro de Shaperville houve o encontro dos manifestantes com tropas do exército que atiraram sobre a multidão, matando 69 pessoas e ferindo outras 186. O regime de segregação prosseguiu até 1994, não sem manifestação, luta e resistência pelos negros e negras sul-africanos.
            Neste último dia 21 de março, as lideranças negras de Araraquara quiseram marcar a data, promovendo dois eventos muito significativos, a Roda de Conversa - Negritude: Percursos e Desafios, tendo como protagonistas, Liniker Barros, artista araraquarense, talento ímpar que está agitando o cenário da música e Stephanie Ribeiro também araraquarense, estudante de arquitetura da PUC, escritora e feminista. Esse evento foi realizado no Centro de Referência Afro “Mestre Jorge” sob a coordenação de Alessandra de Cássia Laurindo, atual vice-presidente do Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de São Paulo e Coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Araraquara. Ao mesmo tempo ocorria a palestra “A realidade do continente africano não encontrada nas literaturas e a importância da Lei 10.639/03” realizada no Plenarinho da Câmara Municipal tendo como palestrantes o Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca da Unesp de Araraquara e Sumbunhe N’fanda, intercambista da Guiné-Bissau, formado em Administração Pública.
            Duas atividades de peso em uma cidade que sempre enfrentou e enfrenta problemas e dificuldades com relação à temática etnicorracial, mas encontra também terreno fértil de debate, atuação e história. Dois eventos realizados no dia 21 de março para marcar o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial e marcar, a meu ver, a necessidade sempre constante de apresentar, discutir e analisar a discriminação racial, enfocando a perspectiva local, por exemplo na roda de conversa com jovens talentos de Araraquara que estão ganhando projeção e não se furtam a tratar o tema, principalmente, porque o vivenciam no corpo e alma, nas interdições que enfrentam. A Roda de Conversa os deixou próximos aos demais, sendo possível o compartilhamento de experiências, estratégias e resistências diversas que os fazem seguir firmes construindo e reconstruindo seus caminhos. Houve nessa noite, nesse evento, uma experiência bastante interessante, a visão do novo e do antigo, por vezes, o embate, o debate, a apresentação de ambos os lados. No entanto, foi enriquecedor, pois estávamos e estamos todos querendo o mesmo: conversar, termos nossas histórias ouvidas, trazidas à tona, não há presente sem passado, com certeza e ali estavam presentes vários momentos e histórias do movimento negro araraquarense.
             Não estive fisicamente na palestra no Plenarinho, mas conheço o trabalho excepcional que tanto o professor Dagoberto Fonseca quanto Sumbunhe N´fanda fazem de desmistificação do continente africano, de combate aos estereótipos sobre um continente tão diverso e ainda tão desconhecido ou seria mal conhecido? Eles nos fazem refletir, desconfiar das histórias que nos foram contadas e nos trazem um continente que merece ter sua realidade exposta por aqueles que realmente sabem sobre ele e que nos inspiram, a querer saber, ainda mais. O auditório estava lotado e ávido por novas interpretações.
            Araraquara se coloca na vanguarda e traz ainda para encerrar o mês de março e em consonância com a temática, a palestra “O Desafio de Ser Mulher Negra” com Silvana Veríssimo, fundadora do Grupo de Mulheres Negras Nzinga Mbandi de Piracicaba, integrante do Fórum Nacional de Mulheres Negras e Membro do Conselho Nacional de Direitos da Mulher. Silvana Veríssimo é uma liderança importante do movimento de mulheres negras que merece ser ouvida. O evento promovido pelo NEAB (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros) da Uniara, pela Comissão da Verdade Sobre a Escravidão da OAB/ Araraquara, com apoio do Centro de Referência Afro e Galpão Estofados acontecerá no dia 29 de março, quarta-feira, às 19h30 no auditório José Araújo Quirino dos Santos na Uniara.  
            É interessante ressaltar que a discussão e a vivência da temática etnicorracial não devem se restringir ao mês de novembro. E vejo que em Araraquara, muitas oportunidades para que essa reflexão aconteça e se reverbere têm sido criadas durante todo o ano a partir de ações, atividades, trabalho, luta e resistência cotidiana de mulheres e homens comprometidos e agentes contra a discriminação racial.