terça-feira, 12 de abril de 2016

De onde vem o racismo?

  
Valquíria Tenório é professora universitária, socióloga e pesquisadora de cultura e história na temática etnicorracial.


            Ainda estou refletindo sobre a peça “O Topo da Montanha”, lembrando constantemente de uma fala do ator Lázaro Ramos vivendo naquele momento Martin Luther King Jr., ele se pergunta: de onde vem o racismo? Essa questão é tão atual, tão premente. Ela levanta ainda outra: o que é o racismo? O que é raça?
            Há muita pesquisa e excelentes textos sobre essas questões, por exemplo, os trabalhos do professor Dr. Antonio Sérgio Alfredo Guimarães da USP, ele esteve em minha banca de defesa de doutorado em Sociologia na Universidade Federal de São Carlos e tem sido um nome muito importante para se pensar a temática etnicorracial na sociologia.
            Seu livro “Racismo e anti-racismo no Brasil” é uma indicação obrigatória de leitura para quem se interessa pelo tema. Segundo Guimarães, raça não corresponde a uma realidade natural, mas sim a uma forma de classificação social, ou seja, não tem qualquer validade biológica. Quando falamos em raça não estamos falando de uma categoria biológica, porque as pesquisas já demonstraram que não existem diferenças biológicas tão marcantes para dividirmos a humanidade em raças diferentes, tal como se pensava anteriormente. A “Declaração sobre as Raças” da UNESCO já em 1950 afirmava que “os cientistas estão de acordo, de um modo geral, em reconhecer que a humanidade é uma e que todos os homens pertencem à mesma espécie, Homo sapiens. Além disso, admite-se comumente que todos os homens se originaram, segundo todas as probabilidades, do mesmo tronco.”.
            Estudos como o “Genoma Humano” de sequenciamento das características genéticas dos seres humanos demonstrou que pode haver muito mais similaridade entre indivíduos de grupos humanos tidos como diferentes do que diferenças marcantes. O que existem são diferenças culturais, sociais, econômicas, geográficas, políticas entre esses indivíduos e entre os diversos grupos humanos. No entanto, a ideia, mesmo que falsa, de haver raças humanas diferentes serviu para legitimar o genocídio de grupos indígenas em diferentes partes do mundo, serviu para a escravização dos africanos e para a dizimação de milhares de judeus e, mesmo nos dias atuais continua presente na mente de muitas pessoas que olham, por exemplo, para a população negra e enxergam diferenças de comportamento, enxergam um “exotismo”, uma pré-disposição física para os esportes, maior força, maior virilidade para os homens e mulheres, enxergam características biológicas diferenciadas que não se sustentam cientificamente.  
Muitas pessoas falam que o racismo no Brasil é diferente daquele institucionalizado na África do Sul e, principalmente, na região sul dos Estados Unidos, porque aqui ele existiria de maneira sutil, velada. No entanto, nos últimos anos podemos observar uma mudança nessa sistemática quando nos deparamos com uma série de ataques racistas pela internet, pichações constantes em muros de universidades públicas brasileiras, será que temos mais casos, ou apenas temos conseguido saber mais dessas situações devido as novas possibilidades de divulgação abertas pelas mídias sociais? Será que o fato de a população negra ter conquistado nos últimos anos mudanças significativas, como o maior ingresso nas universidades públicas e privadas via ações afirmativas tem colocado em xeque uma estrutura anteriormente elaborada para receber apenas os filhos das elites brancas e que agora tanto a universidade como a sociedade veem a população negra em um papel diferente do idealizado para ela, o da subalternidade e inferioridade.
Esse momento pode estar causando um certo furor entre aqueles que foram acostumados desde o nascimento e durante todo seu processo de socialização a entender que certos lugares e papeis são específicos aos negros, eu explico, há pessoas que durante toda a vida aprenderam e visualizam as pessoas negras apenas como serviçais, sempre restritas às profissões menos remuneradas, de menor prestígio social e sempre prontas para servir. Aprendem que não há negros em altos cargos porque eles não se esforçam, porque não têm ambição, porque não merecem, porque não são tão inteligentes, não são confiáveis, que só pensam em bebida e música, e por aí vai. E o Brasil vai reproduzindo seu racismo cotidiano sem muitas dificuldades, nasce geração, morre geração e ele continua existindo, sendo sempre reproduzido em muitos casos aos moldes do século XIX.
O problema não está apenas em termos a ideia de raças humanas, mas sim o fato de termos a ideia de que haveria raças melhores, superiores, com atributos imutáveis e, por conta disso, esses grupos teriam privilégios, poder, condições excelentes de vida e de domínio permanente sobre os destinos dos demais. Esses grupos tidos como superiores passam a operar mecanismos de discriminação psicológicos, individuais e coletivos de constante inferiorização da população negra, na elaboração de estereótipos e na manutenção das desigualdades entre brancos e negros.

É preciso desnaturalizarmos os papeis sociais subalternizados vinculados à população negra e reconstruirmos novas perspectivas, novos papeis e uma nova vida. Há muito ainda por refletirmos, continuemos.