terça-feira, 26 de abril de 2016

UM RETRATO DA REALIDADE: a representação política da nossa sociedade



Valquíria Tenório é professora universitária, socióloga e pesquisadora de cultura e história na temática etnicorracial.


            O artigo que escrevi na semana passada aponta o caminho que venho trilhando diante de tudo o que tem ocorrido no Brasil, proponho o nosso contínuo movimento para que tudo seja apurado, mas que haja equilíbrio, justiça para e por todos os lados, que possamos ver no futuro o movimento de saída do Congresso de deputados inábeis, despreocupados totalmente com o bem comum. Esses sujeitos não podem continuar ocupando um espaço que deve prezar pelo coletivo, ali não são apenas indivíduos, deveriam representar a população, mas diante das falas de muitos deles no dia 17 de abril, quando da votação de Impeachment da presidente Dilma Roussef, mostrado inteiramente por diversas redes de televisão, é possível visualizar que não há preocupação com o coletivo, a não ser que o coletivo restrinja-se à família deles e, convenhamos, ninguém se elege apenas com os votos de sua família. Muitos intelectuais, jornalistas, acadêmicos, professores, no Brasil e fora dele, têm escrito, nos últimos dias, sobre nossa crise e sobre que representatividade temos no nosso Congresso.
            Minha contribuição será modesta, ou melhor, tenho indagações. Será que nossos parlamentares também sofrem de dificuldade de interpretação dos textos, documentos, memorandos, processos que recebem para avaliar, analisar, opinar e votar? Pesquisas apontam que temos um grande número de analfabetos funcionais, pessoas que se formam, mas não sabem interpretar o que leem. Será que é essa a realidade em nosso Congresso? Estou falando isso, porque o evento do dia 17 abril foi estarrecedor, do ponto de vista da interpretação de fato do que estavam julgando, do uso do português, da falta de entendimento sobre o que faz ou devia fazer um deputado. Eu sei que é mais do que isso o que ocorreu, a qualidade de nossos representantes está muito ruim. Estamos descrentes no que vimos naquele domingo, um festival de mediocridade, como aponta o Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira, em entrevista ao programa “Palavras Cruzadas” da TV Brasil, e ele vai mais fundo ao dizer que o Congresso representa sim o Brasil, pois se somos uma sociedade racista, machista e homofóbica, nada mais “normal” do que termos os representantes que temos e pudemos assistir.
            Mas, podemos tirar algo bom de tudo isso? Será que esses fatos, serão lembrados nas próximas eleições? Trabalhemos para que sim! Trabalhemos nas escolas para quebrarmos com a reprodução, com a manutenção dessa estrutura racista, machista, homofóbica, sexista, de desigualdades múltiplas que ainda vivemos em pleno século XXI. O voto é um poder muito grande e penso que as pessoas precisam estar bem preocupadas nas próximas eleições com esse poder que possuem. Os partidos precisam se reconstruir, ter candidatos melhor preparados. Vivemos uma crise estrutural, em que há necessidade de uma reforma ampla. Na minha vida cotidiana, de contato com estudantes sinto que esse momento tem propiciado um interesse ímpar neles pelas questões políticas de nosso país. Muitos querem entender o que está acontecendo, querem saber sobre o nosso passado e o nosso presente. Aproveitemos esse momento para discussões e debates a fim de termos eleitores mais informados no futuro.
Tenho conversado com os meus alunos e vamos iniciar um estudo mais sistemático e introdutório sobre política, porque ao conversarmos sobre o dia 17 de abril na segunda-feira posterior, pude ver que muitos deles ficaram admirados, no mal sentido, com os deputados que temos nos representando. Vou correr com a discussão, enquanto, não baixam uma lei por aqui impedindo professores dialogarem sobre esses temas em sala de aula, afinal já temos Estados adiantando-se nessa intenção horrenda.  
            Fico pensando na indignação de alguns estudantes ao relermos trechos dos discursos antes de cada deputado dar seu voto para o prosseguimento do processo de Impeachment, ou ainda quando nos lembramos que muitos parlamentares sofrem processos exatamente por corrupção, inclusive o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e não parecem ter qualquer compromisso, efetivamente, com o seu fim. É preciso ter muito estômago! Tenho que registrar que temos alguns deputados que sabem onde estão, respeitam as regras, se posicionam com objetividade, mas são poucos. Bem, a indignação é grande por todos os lados, mas não podemos deixar que ela nos paralise, mesmo quando somos bombardeados por notícias ruins, precisamos continuar agindo.
            Por exemplo, na semana passada a revista Veja publicou um artigo com o seguinte título: “Marcela Temer: bela, recatada e “do lar”” e subtítulo: “A quase primeira-dama, 43 anos mais jovem que o marido, aparece pouco, gosta de vestidos na altura dos joelhos e sonha em ter mais um filho com o vice”. Muitas pessoas ficaram boquiabertas com esse artigo. Eu li, e digo que é totalmente inútil, parece um artigo de costume, fofoca, mas ele é pior, traz apenas uma representação de mulher a de: bela, recatada e do lar como diz o próprio título. Me pareceu que o artigo buscou fazer um contraponto, numa interpretação mais profunda do texto, ao papel da nossa presidente, ao papel que devia ser ocupado por uma mulher, o papel de coadjuvante, sombra, de cuidadora do lar. Não que a mulher não possa querer viver esse papel e que cuidar do lar e da família não seja importante, mas o problema estar em se atribuir apenas esse papel, sinto no fundo que o artigo dizia, deixa de querer ser presidente mulher!

Eu posso estar muito enganada, mas é bem possível que o Brasil não estivesse preparado para ter uma mulher como presidente, para ter uma mulher no maior cargo do país, chefiando, dando ordens, com projeção internacional. Sei que não é essa a razão principal de tudo o que estamos vivendo, mas pode ser mais um elemento para pensarmos essa crise toda. Afinal, o show de mediocridade que vimos no dia 17 de abril aponta para a necessidade de análises mais do âmago de nossa formação enquanto nação.