terça-feira, 3 de maio de 2016

O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira


Valquíria Tenório é professora no IFSP, campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura e história na temática etnicorracial.


            Tenho constatado que o ensino de História e Cultura Afro-brasileira ainda é um tema atual e delicado para a educação e sociedade brasileiras. Em 2003, foi sancionada a lei 10.639/03 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) acrescentando a obrigatoriedade do ensino da Cultura e História Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino oficiais e particulares. Tal lei já completou treze anos e segue ainda sem ter a devida atenção. Eu me lembro que durante a minha formação escolar aprendi muito pouco ou quase nada sobre o continente africano, seus países, economias, tampouco estudei sobre o protagonismo da população negra no nosso país. Aprendi o trivial, que os negros foram trazidos para o Brasil como escravos. Minha escolarização inicial aconteceu muito antes da lei 10.639/03. Fui estudar essa temática de fato, conhecer e mergulhar em uma rica bibliografia sobre as questões etnicorraciais no Brasil apenas na universidade, não porque lá houvesse fartura nessa discussão, mas porque havia um professor que vivenciava e pesquisava o tema e foi a partir dele, do professor Dr. Dagoberto José Fonseca, que me interessei pela temática.
            É importante dizer tudo isso, porque muitos anos se passaram, hoje posso dizer que estou a par das discussões e, inteiramente, sensibilizada para as questões que envolvem a história dos negros no Brasil e em nossa região. O estudo sociológico me permitiu aprender a estranhar a realidade e desnaturalizar as situações, os discursos, as explicações e concepções a respeito de nossa sociedade baseadas no senso comum, ou seja, aprendi a olhar com certo estranhamento para tudo o que antes me parecia natural, determinado. Será que teria mudado minha percepção se não tivesse ingressado na universidade, no curso de Ciências Sociais, se não tivesse encontrado o prof. Dagoberto? Talvez sim, talvez não. Há diversas maneiras de se tornar sensível para o mundo em que vivemos. A minha maneira foi pela universidade, sem dúvida!
            A lei 10.639/03 é um marco para o movimento negro e ativistas na luta antirracista que sempre pontuaram a necessidade de uma escola que valorize e trabalhe dignamente a diversidade etnicorracial brasileira, não reproduzindo em seu interior a discriminação e o racismo arraigados na nossa sociedade. Você pode estar se perguntando, mas não é esse o papel da escola? Ela já não fazia isso? É preciso a lei 10.639/03? O campo é espinhoso. A escola é uma instituição social de poder inigualável, agente da socialização de crianças e jovens, no entanto, conversando com meus alunos e alunas que nasceram em 2001, constato que muito pouco mudou em algumas escolas mesmo com a existência da lei, uma vez que alguns estudantes trazem visões e concepções, ainda hoje, próximas às que eu tive acesso quando de minha formação. Dizem que de África só aprenderam sobre os animais, doenças e pobreza, e dos negros no Brasil que foram escravos. Eu sei que há professores e professoras extremamente engajados, com formação adequada, com disposição para o debate e que têm feito muita diferença há algum tempo, antes mesmo da lei existir. Mas, é preciso haver mais engajamento nas escolas, de nossos governantes, da sociedade, porque o tema é relevante para todos nós, não apenas para os negros e negras.  

            Há um Brasil diferente para a vivência de negros e brancos. Não sou eu que estou dizendo são os índices de violência, saúde, educação, moradia que dizem. É preciso que haja interesse de fato para tratarmos da formação da nossa sociedade, das desigualdades, cotidianamente, reproduzidas, do silêncio e da invisibilidade negra tão despercebida na nossa história e na nossa escola.