Valquíria Tenório é professora no
IFSP, campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura e história
na temática etnicorracial.
Tenho
constatado que o ensino de História e Cultura Afro-brasileira ainda é um tema
atual e delicado para a educação e sociedade brasileiras. Em 2003, foi
sancionada a lei 10.639/03 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB) acrescentando a obrigatoriedade do ensino da Cultura e História Afro-Brasileira
nos estabelecimentos de ensino oficiais e particulares. Tal lei já completou
treze anos e segue ainda sem ter a devida atenção. Eu me lembro que durante a
minha formação escolar aprendi muito pouco ou quase nada sobre o continente
africano, seus países, economias, tampouco estudei sobre o protagonismo da
população negra no nosso país. Aprendi o trivial, que os negros foram trazidos
para o Brasil como escravos. Minha escolarização inicial aconteceu muito antes
da lei 10.639/03. Fui estudar essa temática de fato, conhecer e mergulhar em
uma rica bibliografia sobre as questões etnicorraciais no Brasil apenas na
universidade, não porque lá houvesse fartura nessa discussão, mas porque havia
um professor que vivenciava e pesquisava o tema e foi a partir dele, do
professor Dr. Dagoberto José Fonseca, que me interessei pela temática.
É
importante dizer tudo isso, porque muitos anos se passaram, hoje posso dizer
que estou a par das discussões e, inteiramente, sensibilizada para as questões
que envolvem a história dos negros no Brasil e em nossa região. O estudo
sociológico me permitiu aprender a estranhar a realidade e desnaturalizar as
situações, os discursos, as explicações e concepções a respeito de nossa
sociedade baseadas no senso comum, ou seja, aprendi a olhar com certo
estranhamento para tudo o que antes me parecia natural, determinado. Será que
teria mudado minha percepção se não tivesse ingressado na universidade, no
curso de Ciências Sociais, se não tivesse encontrado o prof. Dagoberto? Talvez
sim, talvez não. Há diversas maneiras de se tornar sensível para o mundo em que
vivemos. A minha maneira foi pela universidade, sem dúvida!
A lei
10.639/03 é um marco para o movimento negro e ativistas na luta antirracista
que sempre pontuaram a necessidade de uma escola que valorize e trabalhe dignamente
a diversidade etnicorracial brasileira, não reproduzindo em seu interior a
discriminação e o racismo arraigados na nossa sociedade. Você pode estar se
perguntando, mas não é esse o papel da escola? Ela já não fazia isso? É preciso
a lei 10.639/03? O campo é espinhoso. A escola é uma instituição social de
poder inigualável, agente da socialização de crianças e jovens, no entanto, conversando
com meus alunos e alunas que nasceram em 2001, constato que muito pouco mudou em
algumas escolas mesmo com a existência da lei, uma vez que alguns estudantes
trazem visões e concepções, ainda hoje, próximas às que eu tive acesso quando
de minha formação. Dizem que de África só aprenderam sobre os animais, doenças
e pobreza, e dos negros no Brasil que foram escravos. Eu sei que há professores
e professoras extremamente engajados, com formação adequada, com disposição
para o debate e que têm feito muita diferença há algum tempo, antes mesmo da
lei existir. Mas, é preciso haver mais engajamento nas escolas, de nossos
governantes, da sociedade, porque o tema é relevante para todos nós, não apenas
para os negros e negras.
Há um
Brasil diferente para a vivência de negros e brancos. Não sou eu que estou
dizendo são os índices de violência, saúde, educação, moradia que dizem. É
preciso que haja interesse de fato para tratarmos da formação da nossa
sociedade, das desigualdades, cotidianamente, reproduzidas, do silêncio e da
invisibilidade negra tão despercebida na nossa história e na nossa escola.