Valquíria Tenório é professora, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história e educação na temática etnicorracial.
Eu sei, estamos ainda no dia 13 de maio, não
errei a data. E se perguntasse e o 14 de maio de 1888? O que viria à sua
cabeça? Fomos acostumados a pensar o 13 de maio de 1888, ou melhor dizendo, o
que muitos de nós aprendemos sobre a história do negro no Brasil tem relação
crucial com essa data: o Dia da Abolição da Escravatura. Durante muitos anos
essa data foi comemorada, celebrada a memória da princesa Isabel no papel de redentora
dos escravizados por ter assinado a Lei Áurea, lei de apenas 2 artigos. Não sou
do Direito, mas deve ser uma das menores do Brasil. A meu ver ela deveria
trazer muito mais do que “é declarada extincta, desde a data desta Lei, a
escravidão no Brazil.”
É sabido
também que, nesta época, muitos escravizados já haviam sido libertados e pouco
restava a fazer senão atestar a falência da escravidão no país. Falência essa também
fruto da resistência cotidiana dos escravizados, libertos, abolicionistas,
homens e mulheres que lutaram intensamente com as armas que dispunham para a
derrocada de regime tão cruel e desumano.
O tráfico
de escravos foi abolido em 1850 e o Brasil sofria muita pressão internacional
para a extinção da escravidão que se arrastou por mais 38 anos. Tenho a
impressão que sempre houve um protagonismo negro pouco mencionado nas escolas,
na história oficial. Há muita pesquisa que precisa ser feita, muitos documentos
que precisam ser encontrados, acessados, transcritos, analisados por aqueles
que se perguntam sobre o protagonismo dos negros que nós sabemos ter existido e
temido pelos fazendeiros e escravistas. Precisamos nos perguntar sobre o 14 de
maio. O que aconteceu no dia depois da abolição? A transição já estava em
curso, no entanto, a Lei Áurea poderia ter indicado um caminho de superação das
mazelas causadas pela escravidão do povo negro, mas não o fez. Perdeu a
oportunidade de construir um recomeço mais digno para a nossa nação.
No 14 de
maio os problemas que os negros enfrentavam continuavam e, mais, não havia
emprego, moradia, educação para todos, algo que só vem se transformando nas
últimas décadas, porém ainda está longe de ser o ideal de equidade entre as
populações e grupos sociais que fazem parte do nosso país. Não houve uma
política estatal de reparação ou compensação aos ex-escravizados, ao contrário,
houve a exclusão, por exemplo, da posse de terras, uma vez que já em 1850 foi
promulgada a Lei de Terras que regulava a aquisição de terras devolutas
mediante pagamento, ou seja, a propriedade de terras estava reservada apenas
aos ricos.
Durante muitos anos o 13 de maio
foi celebrado oficialmente, com festa. Em Araraquara durante minhas pesquisas
em jornais antigos, encontrei convite para se comemorar o 13 de maio com batuque
nos arredores da Vila Xavier, feito por Damião dos Batuques. Essa celebração
foi perdendo espaço e sendo rechaçada uma vez que o movimento negro passa a
desmascarar a farsa da abolição, estabelecendo o dia 20 de novembro como data mais
importante para se falar da história do negro em uma perspectiva de maior
protagonismo. No entanto, o 13 de maio vem sendo ressignificado e muitos
eventos têm ocorrido Brasil afora lembrando a data, mas não como um dia de
celebração, ou de gratidão à princesa Isabel, e sim como um dia de lembrar a
abolição inacabada, abolição que não se concretizou como deveria. Dia de reivindicar
espaço, visibilidade, ações efetivas por parte do poder público. Dia de
repensar o 14 de maio e tantos outros dias que se seguiram após a abolição e
que foram construindo o nosso racismo, nossos preconceitos e nossas
desigualdades raciais tão profundas.