Valquíria Tenório é professora, doutora
em Sociologia e pesquisadora de cultura, história e educação na temática etnicorracial.
Tensão, contração dos músculos,
nó na garganta, foram algumas das sensações ao assistir a peça “Farinha com
açúcar ou sobre a Sustança de meninos e homens", com o Coletivo Negro, de
São Paulo, no último sábado dia 18 de junho no Sesc de Araraquara. Já conhecia
o grupo e fiquei extremamente entusiasmada que estariam novamente na cidade
participando da 28ª Semana Luiz Antonio Martinez Corrêa. Por vezes durante a
peça, precisei dizer a mim mesma: relaxa a musculatura, por vezes, um suspiro
longo. Tragédia, morte, vida, a realidade de muitos e muitos homens negros,
pobres, das periferias que se deparam com a insustentável dificuldade de viver
e a certeza prematura da morte à espreita.
Cenário, iluminação, música tudo
tão intenso, nos provocando o tempo todo, provocando nossos sentidos, nos
fazendo ouvir, ver, entrando pelos poros, batendo nos tímpanos. Jé Oliveira, diretor,
dramaturgo e ator da peça, faz um tributo aos Racionais, presente de maneira
intrínseca na fluência da narrativa amparada por entrevistas feitas com doze
homens durante o trabalho de elaboração e sustentação da peça. E a mesma nos
leva por caminhos da favela, pobreza, negritude, nos mostra a juventude que tem
se esvaído, nos leva ainda pela sociologia, antropologia, política, mostra
vigor, maturidade, reflexão, preocupação em retratar uma realidade ou ainda
mais em provocar nossos sentimentos nos colocando diante de estatísticas, de
números, mas de pessoas reais que no correr da vida são, constantemente,
invisibilizadas, negligenciadas, desacreditadas, transformadas em dados numéricos.
São tantos retratos presentes na obra, fico me
perguntando como foram as entrevistas que Jé Oliveira recolheu, que material
rico ele ainda deve ter consigo. Que construção minuciosa ele conseguiu
executar, sensibilidade e experiência na condução e na costura dos relatos
juntamente com a música dos Racionais, com o rap, como um caminho para se
livrar da dor, da dúvida, como meio de se fazer ouvir ou como uma possibilidade
de ser e de existir e dar vazão às angústias reprimidas. A música, a cultura me
pareceu ser um possível elemento de redenção de uma vida Severina, onde o
lamento vai sendo transformado em rima, em desafio. A peça trata de uma
complexidade que não cabe nessas poucas linhas, mas fica o registro e a marca
que deixou em mim.