terça-feira, 23 de agosto de 2016

A reprodução do racismo no cotidiano

Valquíria Tenório é professora do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história e educação na temática etnicorracial.

Não acompanhei as Olímpiadas, mas soube de diversos casos que nos fazem refletir sobre o país onde vivemos e sobre nossa formação enquanto nação e aqui não estou me referindo às questões políticas atuais, tampouco os problemas nas obras para que a Olímpiada fosse possível no Rio de Janeiro, o discurso para um grande evento como esse nos dava a impressão de sobrar um grande legado para a população em termos de obras públicas, mas não foi isso exatamente o que aconteceu. Bem, isso é outro assunto.
Fiquei pensando mais sobre as questões que envolvem a temática que estudo e vivencio, mais especificamente o caso do ginasta brasileiro, negro, Ângelo Assunção que denunciou as “brincadeiras” e “piadas” que colegas da mesma equipe fizeram a respeito de sua cor antes dos jogos. Ângelo não esteve entre os convocados para as Olímpiadas.
Tenho conversado muito com meus alunos(as) sobre o fato de tudo o que vivemos em nossa sociedade não ser natural, mas sim naturalizado e a necessidade constante de estranharmos diversas situações, entre elas o racismo nosso de todo dia. Eu sei que já falei sobre isso em outros artigos dessa coluna, mas é imprescindível falarmos sempre, inclusive quando acabo de iniciar um curso de formação para professores nessa temática.
Quando digo que as situações não são naturais estou dizendo que elas são criadas pela sociedade, têm historicidade, são exteriores aos indivíduos e são aprendidas, passadas de geração a geração, pelas famílias, pela escola e outras instituições sociais. Essa característica é bastante importante, pois se aprendemos ser de uma maneira esperamos que possa ser possível aprender e ensinar ser de outra.
No caso do racismo tenho batido muito no ponto de que “piadas” e “brincadeiras” não são inocentes. Para aprofundar essa discussão é muito interessante a análise que o Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca da Unesp de Araraquara faz em seu livro “Você conhece aquela? A piada, o riso e o racismo à brasileira”. Segundo ele, a “piada não é inocente, não é ingênua. Ela tem como fundamento a ridicularização, a desqualificação do outro”. No livro ele traz 20 piadas feitas sobre negros e passa a analisa-las, estabelecendo uma relação entre história e antropologia.
          Aquela piada contada para descontrair, acaba por menosprezar o outro e pode dizer muito da maneira como as nossas relações sociais têm sido construídas. E esse é um ponto importante, nossas relações são construídas e as piadas têm a capacidade de reproduzir situações, relações, assimetrias, hierarquias, racismo, machismo, sexismo. É importante pensarmos sobre como as relações entre negros e brancos no Brasil são construídas, a piada pode nos ajudar nessa reflexão.