Valquíria Tenório é professora
do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história
e educação na temática etnicorracial.
Pode parecer um título estranho, eu sei! Mas, 8 para 1
foi a proporção de africanos que entraram no Brasil em relação aos europeus até
1850. Essa informação foi insistentemente pronunciada pelo historiador e amigo
Bruno Véras quando de sua aula no curso de extensão História e Cultura Africana
e Afrobrasileira que está em andamento no IFSP, campus Matão.
Temos trabalhado ou retrabalhado nas aulas do curso a
necessidade de quebrar com estereótipos e pensar uma nova perspectiva para
temas que pensávamos ser de conhecimento geral. Bruno fez uma exposição brilhante
sobre sua pesquisa a respeito de Mahommah Gardo Baquaqua, um africano
escravizado que escreveu sua própria biografia e sobre a escravidão. Já
mencionei o trabalho de Bruno em artigo anterior dessa coluna, mas nunca o
tinha ouvido falar. Como é bom ouvir alguém que faz seu trabalho com dedicação,
com paixão e entusiasmo. Bruno é historiador perspicaz, que vai atrás das
fontes, sabe analisa-las. Além disso, é alguém que deseja, assim como eu, que
as pesquisas acadêmicas ultrapassem os muros das universidades.
A referência do título foi feita para marcar a
necessidade de falarmos da escravidão como algo que deve ser entendido como
parte fundamental de nossa história, da história do Brasil como um todo e da
história mundial. Essa proporção foi encontrada pelo professor Luiz Felipe de
Alencastro, um importante historiador brasileiro, a partir da análise de
diversos dados do período escravista. Ele averiguou que “entraram no Brasil 4,8
milhões de africanos escravizados, oito vezes mais do que os portugueses que
chegaram aqui até 1850”.
Bruno não nos deixou esquecer essa proporção durante sua
fala, porque estamos tratando da escrita da história, estamos falando de poder,
de invisibilização de um grupo que não deu apenas uma contribuição para o
Brasil, ao contrário, foi fundamental para a própria colonização, estamos
falando de um grupo que foi sistematicamente apagado da história pelo racismo.
Segundo o professor Luiz Felipe “o Brasil não é um país de colonização
europeia, mas africana e europeia. Isso faz toda a diferença”. Faz toda a
diferença para pensarmos a história da escravidão como história de pessoas como
bem mencionou Bruno em sua fala, não apenas de um processo econômico, mas como
história de todos nós.
Diferentemente
do que alguns livros didáticos nos trazem, a análise de biografias como a de
Baquaqua e outras as quais Bruno teve acesso podem nos mostrar uma perspectiva nova,
nos mostrar a história de pessoas escravizadas, mas com suas subjetividades,
mesmo quando a sociedade queria transformá-las em mercadorias, fixadas em um
lugar. A análise de Bruno vai longe e nos mostra a história de pessoas em
constante movimento de luta e resistência e que não eram passivas como muitos
livros de história ainda teimam em nos apresentar.