Valquíria Tenório é professora
do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história
e educação na temática etnicorracial.
Você pode estar se perguntando, como assim? Como cercas
podem andar? Que cercas? Novamente, estou me referindo ao curso de formação de
professores que está ocorrendo no IFSP, campus Matão, “História e Cultura
Africana e Afrobrasileira”. Estou me referindo mais especificamente a oportunidade
que tivemos de ouvir a amiga e professora doutora Vera Rodrigues da UNILAB (Universidade
da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira).
“As cercas andam de madrugada” foi uma expressão que Vera
ouviu ao realizar trabalho de campo em uma comunidade quilombola no Rio Grande
do Sul. Segundo ela, as pessoas entrevistadas “diziam que uma tática de
expropriação do território usada pelos fazendeiros era avançar as cercas sobre
as terras na madrugada. No dia seguinte eles (quilombolas) não tinham o que
fazer. A cerca marcava a ideia de propriedade. Inclusive com isso, eles ficavam
com menos espaço para o gado, plantio e acesso à água. Era uma forma de coação.
De ir minando direitos e sonhos.”
A retirada de direitos é algo que temos vislumbrando e
vivenciado nos últimos tempos de maneira bem evidente, no entanto, diversos
grupos sociais já vivem essa realidade de longa data. E quando falamos em posse
de terra, nos deparamos com um terreno bastante conturbado, principalmente, se
pensarmos que a abolição da escravidão não previu reparação aos
ex-escravizados, não houve ressarcimento, não lhes foram dadas condições
substanciais de manutenção de suas próprias vidas. Parece-me que a tática
sempre foi a de minar as lutas e expropriar. Afinal, a terra é um bem muito
valioso e não houve uma estratégia política, de Estado para que os
ex-escravizados tivessem acesso a ela, o que vimos foi o contrário.
Vera nos fez refletir sobre o conceito de quilombo, pois este
foi compreendido pelo Conselho Ultramarino em 1740 como “toda habitação de
negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham
ranchos levantados nem se achem pilões neles”. O que aprendemos nas escolas ainda
está bastante vinculado a essa visão, mas é preciso pensar para além da ideia
de luta e fuga. É importante sabermos que há um trabalho relevante de diversos
profissionais e pesquisadores, juntamente com as comunidades para levantar, mapear
e reconhecer diversos quilombos que existem até os dias de hoje numa
perspectiva menos fixada e antiquada, mais voltada para a configuração desses
lugares como espaços de resistência de grupos que se estabeleceram em
determinadas localidades, criaram modos particulares de vida em diálogo com o
mundo exterior e resistindo para manter seus sonhos, seus lugares e suas cercas.