Valquíria Tenório é professora
do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história
e educação na temática etnicorracial.
Deveria falar da eleição municipal, sim e não. Esse ano
está sendo um ano difícil de muitos outros que ainda teremos. Parece-me que os
ouvidos de muitos se fecharam, parece-me que das bocas saem falas sem sentido,
sem coerência, de ódio, de medo, mas não é só isso, quando se chega ao fundo
não tem como não tentar sair, será que chegamos ao fundo? Eu temo pessoas com
alguns argumentos que nos jogam para o retrocesso, para conservadorismos, para
o apagamento de mudanças que a própria sociedade já construiu, porque não são
os governos sozinhos que fazem as mudanças, como não são os professores
sozinhos os responsáveis pelas posturas dos estudantes. Não! A sociedade tem
seu papel fundamental, a família, a igreja... E vejo que algumas instituições
sociais parecem estar em stand by nos
últimos anos. Há muito raciocínio simplista, tosco dominando os debates, as
mentes, as rodas de conversa. Eu torço para que sobrevivamos a essa fase toda. Torço
para que haja luz, haja, fundamentalmente, capacidade, possibilidade e disponibilidade
para os diálogos. Torço para que haja disponibilidade para a troca de
experiências, para o velho e o novo, porque dizer que a mudança apaga tudo o
que havia anteriormente é uma balela, vivemos constantemente com resquícios do
que foi, com pedaços do que é, com desejos do que será. Não deixemos de viver,
de querer sempre melhorar.
Dentre tantas eleições eu fiquei feliz com várias
vitórias, mas queria falar para vocês de uma em particular: a da Miss Brasil
2016. Não acompanho a trajetória do concurso, mas imagino como ele seja
realizado. Há muitas discussões sobre esses tipos de concursos de beleza. No
entanto, eles acontecem faz dezenas de anos no Brasil e pelo mundo, este ano
foi a 62ª edição do concurso. Apenas em 1986 houve a eleição de uma mulher
negra como Miss Brasil, Deise Nunes que segundo depoimentos nos jornais estava
ansiosa e esperançosa pela eleição de outra mulher negra, uma vez que esse ano
foi o que mais teve candidatas negras.
Pode parecer algo estranho para vocês falar sobre concursos
de beleza, mas para questões que envolvem representatividade é de extrema
relevância ter uma mulher negra como vencedora, evidenciando que a beleza é
diversa, que os padrões podem ser ampliados. Para crianças negras, meninas
negras que mal conseguem encontrar bonecas que as representem, que não se veem
ainda hoje em propagandas de forma significativa, equivalente ao padrão branco
vigente, que se preocupam desde cedo com seus cabelos crespos, volumosos e com
uma necessidade, muitas vezes, imposta de reduzir seus volumes, alisar (não
estou querendo dizer que as mulheres não podem alisar seus cabelos, elas
deveriam poder fazer com eles o que quisessem, mas esse “o que quisessem” é que
poderia ser ampliado, a partir da valorização de fato de muitos outros padrões
estéticos), ver uma mulher negra, Raissa Santana, como a mais bela do Brasil é
algo que serve de referência sim, para essas meninas negras e para as demais
não negras, porque precisamos ampliar o padrão e dizer que ele não pode ser
único.