Valquíria Tenório é professora
do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história
e educação na temática etnicorracial.
As aulas do curso de Extensão História e Cultura Africana
e Afrobrasileira que estão ocorrendo desde agosto, quinzenalmente, aos sábados,
no IFSP, campus Matão, continuam trazendo reflexões importantes e não poderia
deixar de compartilhar com vocês. Para mim, tal curso é uma imensa oportunidade
de diálogo entre professores de diferentes áreas e níveis, desde a educação
infantil até o ensino médio, da educação física, arte, ciências sociais,
letras, biologia, estudantes de licenciatura em pedagogia, ciências sociais e
enfermagem. Temos nos encontrado e construído um espaço de muito debate, de
reflexão apurada, de crítica aos cânones.
Tenho me responsabilizado por algumas aulas e convidado
amigos(as), pesquisadores(as) renomados(as) nas diferentes áreas da temática do
curso para uma participação especial. Em nosso encontro do último sábado
iniciamos o módulo, “Marcas da África do lado de cá” discutindo conceitos tais
como negritude, identidade afrobrasileira, memória e ancestralidade. Temos
sempre um diálogo profícuo onde cada cursista sente-se livre para colocar suas
impressões, trazer seus conhecimentos teóricos e práticos.
O tema memória e ancestralidade foi tratado pelo amigo, professor
e antropólogo Dr. Wilson Rogério Penteado Júnior, da Universidade Federal do
Recôncavo Baiano (UFRB). A apresentação de Wilson foi ao encontro e propiciou
um vínculo entre os temas tratados desde o começo do curso, falou de escravização
em África, desmistificando-a; da chegada dos africanos escravizados ao Brasil e
de como podemos visualizar a realidade que viviam a partir de textos e relatos
de viajantes europeus que visitaram o país, além de tratar da representação
cultural no “Novo Mundo”.
Wilson mencionou que muitos africanos tornados escravos
eram obrigados antes de embarcar nos navios negreiros a dar voltas ao redor da
árvore do esquecimento para deixar em África todas as suas lembranças, suas
memórias, sua cultura, seu nome, sua existência. Deveriam chegar ao “Novo Mundo”
vazios, sem história, deveriam perder sua subjetividade.
A meu ver tal intenção foi apenas parcial, penso que ela
se deu em grande parte no discurso e como tentativa de tornar invisível esses
sujeitos, pois se olharmos para a religiosidade, para a maneira como falamos,
para o que comemos, para as revoltas, lutas e resistência que existiram durante
o período escravista podemos perceber que essas memórias não foram arrancadas, elas
foram, muitas vezes, ressignificadas e reconstruídas, mas não totalmente apagadas.
É fato que havia uma tática formal para esse apagamento, a violência física, o
horror cotidiano que eram submetidos, tentativa constante de apagamento não
apenas das memórias, mas da humanidade que existia e sempre existiu nos
escravizados.
É só
olharmos para a realidade brasileira que veremos que os discursos não se
encaixam, até se contradizem. Como poderia haver um escravizado sem
subjetividade, sem memória se todas as contribuições listadas como sendo desses
povos para a formação de nosso país têm estreita vinculação com a memória e
ancestralidade? Precisamos rever muito do que aprendemos sobre esse tema.