Valquíria Tenório é professora
do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história
e educação na temática étnico-racial.
Em 2003, foi aprovada a lei 10.639 que alterou a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 instituindo o Ensino de História e
Cultura Africana e Afrobrasileira em todos os níveis de ensino (público e
privado) no Brasil. Ela também definiu a inclusão no calendário escolar do dia
20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. No entanto, apenas em
10 de novembro de 2011 outra lei, a 12.519, instituiu o dia 20 como “Dia
Nacional de Zumbi e da Consciência Negra”.
Essa data foi escolhida em homenagem a Zumbi dos
Palmares, grande líder do Quilombo dos Palmares, morto em 20 de novembro de
1695. Em 1995, o movimento negro definia o 20 de novembro como representativo
da luta contra a discriminação e o racismo no país.
Há ainda muita controvérsia em relação ao feriado de 20
de novembro e tantos outros temas que envolvem a população negra. Algumas
pessoas costumam mencionar que não deveria haver um feriado da Consciência
Negra, pois somos todos humanos e a consciência não teria cor. Outros esbravejam
que esse feriado seria um ultraje, uma afronta à história, criticando a escolha
de Zumbi como um herói.
Leio e ouço argumentos contrários à comemoração do 20 de
novembro. Mas, por que ele incomoda tanto? Por que incomoda ter um herói negro?
Atualmente, nessa onda de polarização das opiniões, do debate e das ideias
discutir esse assunto ficou ainda mais difícil, mas necessário.
Primeiramente, é preciso ter em mente que o registro
historiográfico não é imparcial, neutro, livre de qualquer relação com aqueles
que estão no poder, seus interesses e sua necessidade de manter a dominação em
todos os níveis. A escolha de um símbolo, de uma memória para representar uma
nação sempre ocorrerá em detrimento de outras tantas memórias de diferentes
grupos que também atuam na construção da história, mas que na maioria das vezes
não têm o poder de registrar a sua versão, sua perspectiva, não tem o poder de
escolher o que será registrado.
Existem, com certeza, muitas histórias do Brasil e não
uma única. Por que não levar em consideração essa pluralidade? O que deveria
compor essa história plural? Por que não repensamos todos os nossos feriados? A
quem eles dizem respeito? Eles nos representam de fato? Os nossos heróis, em
grande parte, homens e brancos são os únicos que existiram? Não deveria haver
representatividade também nesse tema?
Tendo feito essas perguntas, é importante que tenhamos
condições de refletir sobre o processo e não apenas sobre o fato. Importante,
saber que o Brasil é signatário em acordos internacionais para o combate à
discriminação e o racismo, uma vez que muitas pesquisas, desde os anos de 1950,
constataram a existência de muitas desigualdades entre negros e brancos em
diversos indicadores, tais como educação, saúde, habitação, emprego. Algo que
não deveria existir se realmente tivéssemos reais e iguais oportunidades para
todos naquela e nesta época.
Ter
um dia no calendário que aponte para uma representatividade de mais da metade
da população do país e que fomente a discussão para a situação da população
negra no passado e no presente é de crucial relevância, e, com certeza, não se
restringe a esse dia ou esse mês. Devemos estar, constantemente, abertos a
refletir, a conhecer, a propor ações que vislumbrem uma ampliação do nosso
olhar e um futuro de mais oportunidades e direitos para todas as pessoas, inclusive
de serem capazes de deixarem suas marcas na história.