terça-feira, 15 de novembro de 2016

Novembro e história

Valquíria Tenório é professora do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história e educação na temática étnico-racial.

Em 2003, foi aprovada a lei 10.639 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 instituindo o Ensino de História e Cultura Africana e Afrobrasileira em todos os níveis de ensino (público e privado) no Brasil. Ela também definiu a inclusão no calendário escolar do dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. No entanto, apenas em 10 de novembro de 2011 outra lei, a 12.519, instituiu o dia 20 como “Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra”.
Essa data foi escolhida em homenagem a Zumbi dos Palmares, grande líder do Quilombo dos Palmares, morto em 20 de novembro de 1695. Em 1995, o movimento negro definia o 20 de novembro como representativo da luta contra a discriminação e o racismo no país.
Há ainda muita controvérsia em relação ao feriado de 20 de novembro e tantos outros temas que envolvem a população negra. Algumas pessoas costumam mencionar que não deveria haver um feriado da Consciência Negra, pois somos todos humanos e a consciência não teria cor. Outros esbravejam que esse feriado seria um ultraje, uma afronta à história, criticando a escolha de Zumbi como um herói.
Leio e ouço argumentos contrários à comemoração do 20 de novembro. Mas, por que ele incomoda tanto? Por que incomoda ter um herói negro? Atualmente, nessa onda de polarização das opiniões, do debate e das ideias discutir esse assunto ficou ainda mais difícil, mas necessário.
Primeiramente, é preciso ter em mente que o registro historiográfico não é imparcial, neutro, livre de qualquer relação com aqueles que estão no poder, seus interesses e sua necessidade de manter a dominação em todos os níveis. A escolha de um símbolo, de uma memória para representar uma nação sempre ocorrerá em detrimento de outras tantas memórias de diferentes grupos que também atuam na construção da história, mas que na maioria das vezes não têm o poder de registrar a sua versão, sua perspectiva, não tem o poder de escolher o que será registrado.
Existem, com certeza, muitas histórias do Brasil e não uma única. Por que não levar em consideração essa pluralidade? O que deveria compor essa história plural? Por que não repensamos todos os nossos feriados? A quem eles dizem respeito? Eles nos representam de fato? Os nossos heróis, em grande parte, homens e brancos são os únicos que existiram? Não deveria haver representatividade também nesse tema?
Tendo feito essas perguntas, é importante que tenhamos condições de refletir sobre o processo e não apenas sobre o fato. Importante, saber que o Brasil é signatário em acordos internacionais para o combate à discriminação e o racismo, uma vez que muitas pesquisas, desde os anos de 1950, constataram a existência de muitas desigualdades entre negros e brancos em diversos indicadores, tais como educação, saúde, habitação, emprego. Algo que não deveria existir se realmente tivéssemos reais e iguais oportunidades para todos naquela e nesta época.
            Ter um dia no calendário que aponte para uma representatividade de mais da metade da população do país e que fomente a discussão para a situação da população negra no passado e no presente é de crucial relevância, e, com certeza, não se restringe a esse dia ou esse mês. Devemos estar, constantemente, abertos a refletir, a conhecer, a propor ações que vislumbrem uma ampliação do nosso olhar e um futuro de mais oportunidades e direitos para todas as pessoas, inclusive de serem capazes de deixarem suas marcas na história.