terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Projeto Mulheres Negras

Valquíria Tenório é professora do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história e educação na temática étnico-racial.

Temos vivido momentos tão angustiantes, tensos, controversos, porém, felizmente, há também muito mais do que esses momentos para vivermos. Há muitas pessoas promovendo ações importantes, semeando esperança, construindo novas práticas por onde passam, com vistas a termos um presente e um futuro melhor. Parece clichê, mas não é! Todos nós sabemos que mudar a maneira como vemos o mundo não é tarefa fácil, mas é necessário agirmos para isso, darmos oportunidade para que novas ideias nasçam, cresçam, se multipliquem e transformem as realidades em que estamos inseridos.
Tenho buscado olhar o mundo sob diversas perspectivas. Há muitas experiências que devem ser valorizadas, divulgadas, estimuladas. É preciso estar atento para que elas sejam de fato notadas, pois muitas vezes pequenas ações têm um efeito incomensurável. Tive prova disso, quando a amiga e professora Maria Fernanda Luiz, mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) me convidou para participar do projeto “Mulheres Negras e Suas Histórias” sob sua coordenação na Escola Estadual “Antonio de Oliveira Bueno Filho”. Primeiro, tal convite me fez refletir e repensar a minha própria atuação, pois deveria falar sobre minha trajetória para crianças de 7 e 8 anos do segundo ano do Ensino Fundamental. Falar com eles sobre questões que envolviam a temática étnico-racial. Nunca tinha feito tal atividade para um público dessa idade. Com certeza, a participação nesse projeto me fez sair do lugar comum, da chamada zona de conforto. Estar disposto a sair de nossas zonas de conforto deveria ser uma condição e oportunidade para quem trabalha com educação.
O projeto reuniu diversas mulheres negras da cidade de Araraquara para narrar um pouquinho de suas experiências, Alessandra de Cássia Laurindo, Nayara Costa, Thainara Faria, Roseli Gustavo e eu estivemos em dias diferentes com as crianças. Devo dizer que estava muita cansada no dia em que estive com elas, vinha de uma série de atividades do trabalho e ainda temia se daria conta de ajustar a linguagem, se saberia falar para um público tão jovem. Mas, todas essas dúvidas cessaram quando entrei na escola. Fui tão bem recebida, senti-me uma celebridade. Todos queriam sentar ao meu lado, fazer perguntas, depois queriam tirar fotos, me abraçar. Me encheram de energia renovadora, de inocência e carinho.
Na semana passada dia 02 de dezembro, houve o encerramento do projeto realizado na escola para todos os envolvidos: mulheres que narraram suas trajetórias, crianças e seus responsáveis, além da professora idealizadora. Foi um momento lindo! Pudemos ver nos olhos das crianças o quanto nos tornamos referências positivas de lugares múltiplos que as mulheres negras podem e deviam ocupar na nossa sociedade para além daqueles já estereotipados.  

Parabenizo a professora Maria Fernanda pela sensibilidade com que conduziu todo o projeto e, especialmente, seu encerramento. Eu tenho certeza que ações como essas ficarão para sempre registradas nas memórias das crianças, de suas famílias. Foi uma ação positiva, afirmativa, ação importante para tirar da invisibilidade mulheres negras que fazem suas histórias. Um projeto como esse pode mudar a maneira como as crianças enxergam o mundo e a si próprias, e também, como nós mulheres protagonistas do projeto pensamos a nossa própria trajetória e militância. São ações como essas que nos oferecem alento, alegria e incentivo para uma vida melhor.