Valquíria Tenório é professora
do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história
e educação na temática étnico-racial.
Temos vivido momentos tão angustiantes, tensos,
controversos, porém, felizmente, há também muito mais do que esses momentos
para vivermos. Há muitas pessoas promovendo ações importantes, semeando esperança,
construindo novas práticas por onde passam, com vistas a termos um presente e
um futuro melhor. Parece clichê, mas não é! Todos nós sabemos que mudar a
maneira como vemos o mundo não é tarefa fácil, mas é necessário agirmos para
isso, darmos oportunidade para que novas ideias nasçam, cresçam, se
multipliquem e transformem as realidades em que estamos inseridos.
Tenho buscado olhar o mundo sob diversas perspectivas. Há
muitas experiências que devem ser valorizadas, divulgadas, estimuladas. É
preciso estar atento para que elas sejam de fato notadas, pois muitas vezes
pequenas ações têm um efeito incomensurável. Tive prova disso, quando a amiga e
professora Maria Fernanda Luiz, mestre em Educação pela Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar) me convidou para participar do projeto “Mulheres Negras e
Suas Histórias” sob sua coordenação na Escola Estadual “Antonio de Oliveira
Bueno Filho”. Primeiro, tal convite me fez refletir e repensar a minha própria
atuação, pois deveria falar sobre minha trajetória para crianças de 7 e 8 anos
do segundo ano do Ensino Fundamental. Falar com eles sobre questões que
envolviam a temática étnico-racial. Nunca tinha feito tal atividade para um
público dessa idade. Com certeza, a participação nesse projeto me fez sair do
lugar comum, da chamada zona de conforto. Estar disposto a sair de nossas zonas
de conforto deveria ser uma condição e oportunidade para quem trabalha com
educação.
O projeto reuniu diversas mulheres negras da cidade de
Araraquara para narrar um pouquinho de suas experiências, Alessandra de Cássia
Laurindo, Nayara Costa, Thainara Faria, Roseli Gustavo e eu estivemos em dias
diferentes com as crianças. Devo dizer que estava muita cansada no dia em que
estive com elas, vinha de uma série de atividades do trabalho e ainda temia se
daria conta de ajustar a linguagem, se saberia falar para um público tão jovem.
Mas, todas essas dúvidas cessaram quando entrei na escola. Fui tão bem
recebida, senti-me uma celebridade. Todos queriam sentar ao meu lado, fazer
perguntas, depois queriam tirar fotos, me abraçar. Me encheram de energia
renovadora, de inocência e carinho.
Na semana passada dia 02 de dezembro, houve o
encerramento do projeto realizado na escola para todos os envolvidos: mulheres
que narraram suas trajetórias, crianças e seus responsáveis, além da professora
idealizadora. Foi um momento lindo! Pudemos ver nos olhos das crianças o quanto
nos tornamos referências positivas de lugares múltiplos que as mulheres negras
podem e deviam ocupar na nossa sociedade para além daqueles já estereotipados.
Parabenizo a professora Maria Fernanda pela sensibilidade
com que conduziu todo o projeto e, especialmente, seu encerramento. Eu tenho
certeza que ações como essas ficarão para sempre registradas nas memórias das
crianças, de suas famílias. Foi uma ação positiva, afirmativa, ação importante
para tirar da invisibilidade mulheres negras que fazem suas histórias. Um
projeto como esse pode mudar a maneira como as crianças enxergam o mundo e a si
próprias, e também, como nós mulheres protagonistas do projeto pensamos a nossa
própria trajetória e militância. São ações como essas que nos oferecem alento,
alegria e incentivo para uma vida melhor.