terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Gosto se discute?

Valquíria Tenório é professora do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história e educação na temática étnico-racial.

Faz dias que estou com uma inquietação na cabeça, quer dizer, tenho várias, vivo em meio a inquietações, mas essa tem se mostrado mais insistente. Todo mundo passa por isso, não é mesmo? Sabe aquele tema, aquele pensamento que vai e volta. Para ser sincera, é um tema que está sempre presente de uma maneira ou de outra, mas há momentos na vida que nos questionamos ainda mais. Vou acabar com o suspense. Será que gostar de algo é realmente algo espontâneo, instintivo, natural? Achar algo bonito ou feio é apenas questão de gosto? Gosto se discute? Gosto muda?
Para mim, cada vez mais, gostar de algo é uma questão de aprender, conviver, ser parte, está diretamente relacionado aos padrões criados nas diversas sociedades, pelos diferentes grupos e momentos históricos. Coisas aparentemente básicas, como, por exemplo, escolher a cor azul ou rosa tem a haver com gosto? O que pode haver no fato de um menino não gostar da cor rosa e uma menina não gostar da azul? Gostar de comer arroz e feijão como a maioria dos brasileiros ou de insetos como em algumas sociedades não deveria ser problema, deveria? A meu ver, o problema está nas comparações e, mais ainda, na hierarquização que foi sendo estabelecida ao longo da história, ou seja, quando foi se determinando que gostar disso ou daquilo seria melhor ou pior, bom ou ruim, certo ou errado.  
A discussão é muito mais densa, eu sei. Aqui o espaço é curto e a intenção é apenas refletir, inquietar. Por exemplo, se ouvimos ou vemos nos canais e programas de televisão, na escola, na rua, no clube, no shopping, enfim em diversos espaços aqui no Brasil, desde a mais tenra idade que ter o cabelo liso é lindo, cheio de movimento, “normal” e que o cabelo crespo é feio, duro, “ruim” qual vamos achar bonito? Se somos crianças e entramos em lojas de brinquedos e só encontramos bonecas brancas e loiras, se olhamos para as embalagens dos brinquedos e a grande maioria é composta de figuras de crianças brancas qual será o nosso padrão? Do que vamos gostar? Isso é ruim? Não haveria ausência de uma maior representatividade? O gostar não seria restrito? O fato de não se ver, não ocasiona uma percepção que o normal é ser como o outro? Se nessa mesma loja, os brinquedos são diferenciados entre de meninas, como coisinhas para os cuidados da casa e de meninos com super-heróis, aviões, jogos de ciência, estamos atestando que há realmente brinquedos que são para meninas e meninos? A loja apenas reproduz os papéis que a sociedade definiu para uns e outros?
              Quando a gente nasce encontra um mundo todo pronto, não é mesmo? Será que podemos muda-lo ou só conseguimos nos adaptar ao que já está aí? Alguns dizem que era mais fácil entender e viver no mundo antigamente. Será mesmo? Talvez fosse, porque as vozes, os olhares, as maneiras de se encarar e construir as narrativas e a compreensão do mundo estavam restritas a poucos, hoje são muitos os sujeitos, os protagonistas e as maneiras de ser ouvido e visto. As demandas estão mais aparentes. A resistência, o debate é constante. Para mim, gostar ou não de algo tem a ver com a maneira como o mundo nos foi e nos é apresentado, a maneira como conseguimos existir nele. Nada é simples nessa vida.