Valquíria Tenório é professora
do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história
e educação na temática étnico-racial.
Essa é uma
tradução mais fiel e possível para o título do filme Hidden Figures (inspirado
no livro de mesmo título) que chega ao Brasil como “Estrelas Além do Tempo” premiado
pelo Sindicado dos Atores nos EUA e indicado a três categorias no Oscar deste
ano, melhor filme, melhor atriz coadjuvante e melhor roteiro adaptado. Esse
título diz muito sobre o filme, sobre a maneira como a história tratou as três
personagens, mulheres Afro-Americanas reais, acadêmicas e cientistas, Katherine
Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson alinhando-se às minhas reflexões sobre
a temática negra.
Digo isso
porque tenho construído com vocês uma reflexão sobre a invisibilização da
história negra no Brasil, mas essa não é uma realidade apenas em nosso país e tal
constatação fica bastante evidente ao assistirmos ao filme. Como três mulheres
excepcionais no mundo da matemática, responsáveis por grandes feitos dentro de
uma das mais importantes instituições dos EUA, a NASA (National Aeronautics and
Space Administration), em uma época crucial para o desenvolvimento do projeto
espacial do país, foram invisibilizadas, escondidas pela história.
A
genialidade dessas três mulheres diante de problemas e situações da época como
a segregação racial e também a capacidade que demonstraram ao serem
confrontadas com a necessidade de criar teorias inovadoras para solucionar os
problemas que apareciam na corrida espacial as colocam com certeza como
estrelas além do tempo. Elas criaram fórmulas, cálculos, materiais que não
existiam ainda. Elas driblaram com maestria o próprio sistema de segregação
racial e o sexismo ao longo de sua trajetória.
O filme me
emocionou muito. Mexeu com diversos sentimentos, me fez sentir raiva, orgulho,
contentamento, tristeza. Destaco diversas cenas, entre elas as que demonstram o
papel da comunidade e o papel dos pais de Katherine, dispostos a oferecer a ela
as condições necessárias para que desenvolvesse seu talento e superasse as
dificuldades. Rompe com imagens estereotipadas de famílias negras desagregadas,
como se esse fosse o único cenário possível. Lembro ainda as cenas que trazem a
atuação de Dorothy Vaughan buscando construir uma estratégia coletiva de
conquistas para todas as mulheres negras que se viam segregadas dentro e fora
da NASA. A promoção de uma era comemorada, mas devia possibilitar a abertura de
caminho para as demais. Com certeza, vi a expressão Ubuntu, “eu sou porque nós
somos” neste e em outros momentos do filme! Como não se emocionar com as cenas
em que Mary Jackson consegue a tão sonhada permissão de estudar engenharia em
uma universidade que não permitia a entrada de negros e não contava com
mulheres na turma.
Três
mulheres, grandes feitos. E, talvez, o maior ainda seja conseguir romper com o
racismo que atuou fortemente na invisibilização de suas trajetórias. Vale muito
a pena assistir e atuar para que essas e outras muitas mulheres negras tenham o
seu devido reconhecimento e espaço na sociedade e na história.