terça-feira, 7 de março de 2017

Dores do viver

Valquíria Tenório é professora do IFSP campus Matão, doutora em Sociologia e pesquisadora de cultura, história e educação na temática étnico-racial.

Faz duas semanas que não escrevo meus artigos. Não tem surgido inspiração, por mais que haja centenas de assuntos que precisamos lidar, refletir e que não deixei de me preocupar. No entanto, estou passando por um momento muito delicado em família. É preciso ainda aprender a viver esse momento ou reaprender a viver depois dele. Talvez, escrever sobre ele seja uma maneira de intensificar esse reaprender.
Perdi uma sobrinha de maneira trágica e muito precoce. Uma lindeza de menina. Uma dor sem tamanho invadiu toda a nossa família, essa instituição social que mudou tanto nas últimas décadas, mas que ainda valorizamos seja ela como for, porque nela esperamos encontrar conforto, cumplicidade, confiança, apoio, amor. Momentos como o que estamos vivendo nos provam que há nela ainda tudo isso independente da configuração que ela venha a ter. E aqui incluo ainda aqueles amigos que são como membros de nossas famílias, nos inspiram confiança, nos oferecem carinho e não se furtam às dores do viver em comunidade.
Aprender! Está aí uma saída possível para conseguirmos tocar a vida quando algo inesperado, quando o destino embaralha nossa cabeça, porque a perda, a partida de alguém que amamos causa uma tomada de consciência de nossa perenidade no mundo, de que não estamos imunes às dores e dissabores da vida e da morte. Isso é doloroso! Saber que somos frágeis, saber que não estamos preparados para lidar com esse elemento tão presente em nossa vida: o fim. E aqui o fim é tanto a ideia de qual a finalidade de estarmos vivos e o fim enquanto encerramento dela, reflexões e questões que milhares de pessoas, sejam elas filósofas, teólogas, cientistas, eu, você, fazem há centenas de anos. Não há uma resposta definitiva, unânime. Aprendemos a viver com essa imprevisibilidade, mas mesmo assim quando nos defrontamos com as perdas elas nos causam aquela dor no peito, um nó na garganta, um vazio enorme que precisa ser preenchido com a vida, com mais aprendizado.
O tempo costuma ser um grande aliado, não sei como, mas ele vai preenchendo os espaços vazios, ele vai trazendo ordem ao caos que se faz em nossas mentes, vai tentando nos deixar mais fortes, aos poucos vai nos mostrando os momentos bons que vivemos juntos, vai apaziguando a dor, nossa e do outro, um outro que é também parte de nós mesmos, porque estamos todos juntos nesse aprendizado e nessa espera que o tempo faça o seu trabalho.